domingo, 4 de março de 2001

A princesa

           Foi uma cerimônia simples, realizada no dia 1º de maio de 1843. O Imperador  Pedro II, dando o braço as suas irmãs, entrou no grande salão. Sentaram-se em torno da mesa e o Barão de Langsdorff, em voz alta e solene, leu o contrato de casamento. Depois de assinado, na capelinha contígua,  foi dada, pelo bispo do Rio de Janeiro, a bênção nupcial. Selava-se o destino da Princesa Francisca de Bragança:  acompanhar o marido, o Príncipe de Joinville, para viver na França.

Passados quase dois meses, o Belle Poule ,  navio que os levava, fazia a sua entrada no Porto de Brest. Circundada por terras planas e por rochas, a Princesa Francisca, acostumada com o esplendor da paisagem do Rio de Janeiro, não podia ver nessa que estava diante de seus olhos, qualquer atrativo quando foi instada por um dos franceses: -Confesse, princesa, que essa baía é bela ! Fez um esforço para esboçar a admiração que dela era esperada, mas não conseguiu. Um pouco antes, seu marido legislara: Ela é incapaz de sentir a beleza absolutamente poética que há neste céu encoberto e nessa enseada de contorno tão áspero! Mais tarde, diante de um enorme prato de cerejas, entusiasmado, as elogiava e não se impediu, de outra vez, decidir que ela: a Princesa Francisca, acharia, sem dúvida, a goiaba mais bonita do que a cereja.

            O relato do que aconteceu nos dias que antecederam o casamento da Princesa brasileira com o Príncipe de Joinville assim como do ocorrido em alto mar, na travessia do Atlântico e chegada na França, foi feito pela Baronesa E. de Langsdorff no diário em que registra a missão que lhe fora confiada: a de preparar a Princesa Francisca para  a sua vida na corte européia. Publicado pela EDUNISC de Santa Cruz do Sul e pela Mulheres de Florianópolis, em 1999, é um texto que não se rege por precisão de datas ou pela minúcia na narração dos fatos ou por detalhes descritivos. Muito rico ele é, porém, em observações sutis, pertinentes e sagazes sobre o que ela observa nas relações sociais e pessoais da Corte Brasileira. E, depois, no dia a dia de convívio constante com o mesmo pequeno grupo de pessoas, durante a viagem do Rio de Janeiro para o porto de Brest. Como bem o disse Miriam Lifchitz Moreira Leite, no prefácio da edição brasileira, a riqueza do Diário e da documentação oficial que lhe foi anexada, admite muitas outras leituras, de acordo com os interesses centrais de quem nele se detiver.       

            De fato, não falta beleza nas breves descrições feitas pela Baronesa de Langsdorff da natureza brasileira. E discreta elegância ao observar o comportamento dos que freqüentavam a Corte Brasileira onde constata a simplicidade das recepções. Sobretudo, embora européia, culta, branca e nobre, como assinala Zahidé L.Muzart, possuidora de uma inesperada lucidez que a leva a perceber o incongruente de certas situações. No entanto, ainda que sua presença, no texto, seja muito breve, a Princesa Francisca irá se delinear não apenas como a adolescente, ainda criança, sempre disposta à diversão e ao riso, mas como a mulher pronta a enfrentar o seu destino que não mede esforços, como nota a Baronesa de Langsdorff, no sentido de se tornar francesa, tentando não se agasalhar quando, na aproximação das costas européias, o ar fica mais frio, servindo-se de cerejas, tanto quanto os franceses, submetendo-se a escutar longas explanações sobre a História da França e, principalmente, suportando com um tranqüila dignidade, até surpreendente para os seus poucos anos, as observações trocistas que o marido faz sobre o Brasil e que se alia ao que lhe transmitira sobre o que os franceses pensam dos brasileiros: todos uns selvagens e que comem gente. Daí o seu medo de que possam pensar que possui costumes bizarros e a sua aplicação em adquirir os considerados hábitos de “polidez” e de “urbanidade” que seu marido acredita ser para os franceses, “o emblema da boa sociedade”. Então, é melancólico pensar na Princesa, aquiescendo a uma perda de identidade pessoal e nacional para satisfazer os que se julgam detentores de verdades. Talvez, também melancólico, pensar nessa benévola piedade da Rainha da França ao considerá-la  tão simples e ingênua o que a leva a acreditar, sem peias de dúvidas, e nas melhores e mais bondosas das intenções, que a fará muito feliz. O que torna, comovente, esta última imagem que dela fica no Diário da Baronesa de Langsdorff: na grande sala onde estava reunida a Família Real, sentada no sofá, perto de uma duquesa, a Princesa Francisca tendo nas mãos um pequeno cesto de costura que a Rainha acabara de lhe dar.

 

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