Foi uma cerimônia simples, realizada
no dia 1º de maio de 1843. O Imperador Pedro II, dando o braço as suas irmãs, entrou
no grande salão. Sentaram-se em torno da mesa e o Barão de Langsdorff, em voz
alta e solene, leu o contrato de casamento. Depois de assinado, na capelinha
contígua, foi dada, pelo bispo do Rio de
Janeiro, a bênção nupcial. Selava-se o destino da Princesa Francisca de
Bragança: acompanhar o marido, o
Príncipe de Joinville, para viver na França.
Passados quase
dois meses, o Belle Poule , navio
que os levava, fazia a sua entrada no
Porto de Brest. Circundada por terras planas e por rochas, a Princesa
Francisca, acostumada com o esplendor da paisagem do Rio de Janeiro, não podia
ver nessa que estava diante de seus olhos, qualquer atrativo quando foi instada
por um dos franceses: -Confesse, princesa,
que essa baía é bela ! Fez um esforço para esboçar a admiração que dela era
esperada, mas não conseguiu. Um pouco antes, seu marido legislara: Ela é incapaz de sentir a beleza absolutamente poética que há neste céu
encoberto e nessa enseada de contorno tão áspero! Mais tarde, diante de um
enorme prato de cerejas, entusiasmado, as elogiava e não se impediu, de outra
vez, decidir que ela: a Princesa Francisca, acharia, sem dúvida, a goiaba mais
bonita do que a cereja.
O
relato do que aconteceu nos dias que antecederam o casamento da Princesa
brasileira com o Príncipe de Joinville assim como do ocorrido em alto mar, na
travessia do Atlântico e chegada na França, foi feito pela Baronesa E. de
Langsdorff no diário em que registra a missão que lhe fora confiada: a de
preparar a Princesa Francisca para a sua
vida na corte européia. Publicado pela EDUNISC de Santa Cruz do Sul e pela
Mulheres de Florianópolis, em 1999, é um texto que não se rege por precisão de
datas ou pela minúcia na narração dos fatos ou por detalhes descritivos. Muito
rico ele é, porém, em observações sutis, pertinentes e sagazes sobre o que ela
observa nas relações sociais e pessoais da Corte Brasileira. E, depois, no dia
a dia de convívio constante com o mesmo pequeno grupo de pessoas, durante a
viagem do Rio de Janeiro para o porto de Brest. Como bem o disse Miriam
Lifchitz Moreira Leite, no prefácio da edição brasileira, a riqueza do Diário e da documentação oficial que lhe foi anexada,
admite muitas outras leituras, de
acordo com os interesses centrais de quem nele se detiver.
De
fato, não falta beleza nas breves descrições feitas pela Baronesa de Langsdorff
da natureza brasileira. E discreta elegância ao observar o comportamento dos
que freqüentavam a Corte Brasileira onde constata a simplicidade das recepções.
Sobretudo, embora européia, culta, branca e nobre, como assinala Zahidé
L.Muzart, possuidora de uma inesperada lucidez que a leva a perceber o
incongruente de certas situações. No entanto, ainda que sua presença, no texto,
seja muito breve, a Princesa Francisca irá se delinear não apenas como a
adolescente, ainda criança, sempre disposta à diversão e ao riso, mas como a
mulher pronta a enfrentar o seu destino que não mede esforços, como nota a
Baronesa de Langsdorff, no sentido de se tornar francesa, tentando não se
agasalhar quando, na aproximação das costas européias, o ar fica mais frio,
servindo-se de cerejas, tanto quanto os franceses, submetendo-se a escutar
longas explanações sobre a História da França e, principalmente, suportando com
um tranqüila dignidade, até surpreendente para os seus poucos anos, as
observações trocistas que o marido faz sobre o Brasil e que se alia ao que lhe
transmitira sobre o que os franceses pensam dos brasileiros: todos uns selvagens
e que comem gente. Daí o seu medo de que possam pensar que possui costumes
bizarros e a sua aplicação em adquirir os considerados hábitos de “polidez” e
de “urbanidade” que seu marido acredita ser para os franceses, “o emblema da
boa sociedade”. Então, é melancólico pensar na Princesa, aquiescendo a uma
perda de identidade pessoal e nacional para satisfazer os que se julgam
detentores de verdades. Talvez, também melancólico, pensar nessa benévola
piedade da Rainha da França ao considerá-la
tão simples e ingênua o que a
leva a acreditar, sem peias de dúvidas, e nas melhores e mais bondosas das
intenções, que a fará muito feliz. O que torna, comovente, esta última imagem
que dela fica no Diário da Baronesa de Langsdorff: na grande sala onde estava
reunida a Família Real, sentada no sofá, perto de uma duquesa, a Princesa
Francisca tendo nas mãos um pequeno cesto de costura que a Rainha acabara de
lhe dar.
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