O
segundo poema do Canto General de
Pablo Neruda, “Vegetaciones” é o primeiro dos cinco em que ele estabelece o
cenário da história que irá contar e cujo início precisa no ano de 1400: uma
terra que ainda não fora tocada pelos que viriam depois , quando se chamaria
América. Desprovida de nomes e de números, ela se expandia em flores e em vidas, diz o poeta na primeira estrofe. A segunda, é feita de um só
verso: Na fertilidade crescia o tempo,
um pórtico para a exuberância do reino vegetal que a terceira longa estrofe e a
quarta, irão relacionar: o jacarandá, a araucária, o acaju, o lariço, o
“ceibo”, a seringueira, o umbu, árvores do Continente. Porém, mais do que
mencionar espécies – e o milho e o fumo – ou lembrar-lhes o aspecto, no efêmero
de um momento (o jacarandá a levantar
espuma feita de esplendores transmarinhos, a araucária, lanças eriçadas, magnitude contra a neve
ou na emoção de um adjetivo ( a
primordial árvore, a arvore trovão, a
árvores vermelha, a árvore mãe) o poeta se prende à vida que
delas emerge a se mostrar no perfume que
exalam, na semente que se propaga. Vida que é um contínuo renovar-se no
movimento do milho que se debulha e nasce de novo, na chuva que amamenta a
aurora, no umbu que enlaça a terra com seus ramos e raízes.
América arvoredo é a expressão que
inicia a terceira estrofe e se reafirma no segundo verso, sarça selvagem entre os mares, tesouro
verde a se estender de polo a polo. E o dizer poético, em metáforas e
comparações e inesperados adjetivos, se enriquece, entrelaçando significados
díspares ( ramo/ilha; folha/espada; flor/relâmpago e medusa) nesse definir de
transformações que determinam o Continente. Um espaço que o poeta chama de útero verde, cenário mítico onde germina a noite, onde soam as
madeiras e irrompem nascimentos que os poemas seguintes irão povoar de animais
e de pássaros.
No poema
“Algunas bestias” (Alguns animais), a primeira estrofe, de um verso apenas,
parece iniciar uma história – Era o
crepúsculo da iguana –, mas o que na segunda estrofe consta é somente a
rapidez de sua língua a se perder no verde das árvores. Logo, é o cenário da
selva que mal assoma no colorido das copas das árvores, no mundo cheio de
orvalho, nos limites da aurora, na noite pura e germinada, nos lamaçais
sonolentos, neles se encadeando o formigueiro a pisar melodioso, as borboletas
a se espantar com o pólen derrubado. É o güanaco e a lhama e os macacos se
enredando na luz; e o jaguar e o puma se roçando nas folhas; e os jacarés, o
texugo e a anaconda se molhando nas águas, num cerimonial feérico de ruídos opacos de armadura, de ausências fosforescentes, de barros rituais.
Desenho
de um mundo ainda impoluto que irá se desagregar com a chegada dos primeiros
barcos vindos do mar. E dos homens então vilipendiados e das riquezas então
espoliadas, o poeta dará testemunho. Lembrará as plantas e os animais do Continente sem dono e lembrará os que nele
tentaram lutar contra as injustiças e os que morreram pela liberdade. Como num
mosaico de pequenas peças, verso e reverso, luz e sombra, crueldades e
esperanças e nomeando flores e árvores, animais e pedras, vítimas e heróis, o
seus poemas vão nascer para contar a História.

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