domingo, 25 de fevereiro de 2001

Canto general: segundo poema

            O segundo poema do Canto General de Pablo Neruda, “Vegetaciones” é o primeiro dos cinco em que ele estabelece o cenário da história que irá contar e cujo início precisa no ano de 1400: uma terra que ainda não fora tocada pelos que viriam depois , quando se chamaria América. Desprovida de nomes e de números, ela se expandia em flores e em vidas, diz o poeta na primeira estrofe. A segunda, é feita de um só verso: Na fertilidade crescia o tempo, um pórtico para a exuberância do reino vegetal que a terceira longa estrofe e a quarta, irão relacionar: o jacarandá, a araucária, o acaju, o lariço, o “ceibo”, a seringueira, o umbu, árvores do Continente. Porém, mais do que mencionar espécies – e o milho e o fumo – ou lembrar-lhes o aspecto, no efêmero de um momento (o jacarandá a levantar espuma feita de esplendores transmarinhos, a araucária, lanças eriçadas, magnitude contra a neve ou na emoção de um adjetivo ( a primordial árvore, a arvore trovão, a árvores vermelha, a  árvore mãe) o poeta se prende à vida que delas emerge  a se mostrar no perfume que exalam, na semente que se propaga. Vida que é um contínuo renovar-se no movimento do milho que se debulha e nasce de novo, na chuva que amamenta a aurora, no umbu que enlaça a terra com seus ramos e raízes.

            América arvoredo é a expressão que inicia a terceira estrofe e se reafirma no segundo verso, sarça selvagem entre os mares, tesouro verde a se estender de polo a polo. E o dizer poético, em metáforas e comparações e inesperados adjetivos, se enriquece, entrelaçando significados díspares ( ramo/ilha; folha/espada; flor/relâmpago e medusa) nesse definir de transformações que determinam o Continente. Um espaço  que o poeta chama de útero verde, cenário mítico onde germina a noite, onde soam as madeiras e irrompem nascimentos que os poemas seguintes irão povoar de animais e de pássaros.

No poema “Algunas bestias” (Alguns animais), a primeira estrofe, de um verso apenas, parece iniciar uma história – Era o crepúsculo da iguana –, mas o que na segunda estrofe consta é somente a rapidez de sua língua a se perder no verde das árvores. Logo, é o cenário da selva que mal assoma no colorido das copas das árvores, no mundo cheio de orvalho, nos limites da aurora, na noite pura e germinada, nos lamaçais sonolentos, neles se encadeando o formigueiro a pisar melodioso, as borboletas a se espantar com o pólen derrubado. É o güanaco e a lhama e os macacos se enredando na luz; e o jaguar e o puma se roçando nas folhas; e os jacarés, o texugo e a anaconda se molhando nas águas, num cerimonial feérico de ruídos opacos de armadura, de ausências fosforescentes, de barros rituais.

            Desenho de um mundo ainda impoluto que irá se desagregar com a chegada dos primeiros barcos vindos do mar. E dos homens então vilipendiados e das riquezas então espoliadas, o poeta dará testemunho. Lembrará as plantas e os animais  do Continente sem dono e lembrará os que nele tentaram lutar contra as injustiças e os que morreram pela liberdade. Como num mosaico de pequenas peças, verso e reverso, luz e sombra, crueldades e esperanças e nomeando flores e árvores, animais e pedras, vítimas e heróis, o seus poemas vão nascer para contar a História.

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