domingo, 11 de fevereiro de 2001

Repetição


E Jacintho de Tormes, irritado, perguntava a quem o pretendia como sócio numa escavação de esmeraldas na Birmânia, se fora provada a existência delas no subsolo. Recebeu a exasperada resposta: “Esmeraldas! Está claro que há esmeraldas!...Há sempre esmeraldas desde que haja accionistas”.
            Em 1949, Pablo Neruda escrevia o epílogo de seu Canto General onde, como poeta-narrador, ele canta a glória e a miséria da América Hispânica. Dividido em quinze partes, cada uma composta de unidades de diferentes formas e extensão, o texto se apresenta como um mosaico a retraçar a História da América que foi esquecida, ignorada ou desprezada. Assim, os primeiros poemas desenham, nos seus pássaros, rios, minerais, plantas e homens que o habitam, a América pré-colombiana. Depois, o segundo Canto, “Alturas de Machu Pichu” cumpre, no dizer do crítico Nelson Osório, a função de Invocatio dos poemas épicos que, no Canto General não dará voz aos deuses, mas aos homens anônimos da América: desfilam os conquistadores, os libertadores e no quinto Canto, “A arena atraiçoada”, os que foram vítimas dos sátrapas e ditadores e das companhias imperialistas, sempre aptas e ansiosas para sugar riquezas em terras alheias.

Ao se propor cantar a América Hispânica, Pablo Neruda não podia ficar alheio ao que essas companhias verdadeiramente significavam para o Continente; tampouco, podia conter os indignados sentimentos que provocavam na sua perene espoliação sem limites.  

Os primeiros versos de “La United Fruit Co”, no tom narrativo de muitos de seus poemas, remetem a um tempo pregresso em que soa a trombeta divina e Jeová reparte o mundo entre as definitivas e soberanas entidades: Coca-Cola In., Anaconda, Ford Motors e a Compañia Frutera Inc. Esta, batizou as margens da América Central de “Repúblicas Bananas” e, ali, estabeleceu o que Pablo Neruda chamou de ópera bufa. Uma expressão, certamente, precisa para designar todo esse aparato erguido para mascarar a onipotente vontade dos impérios do dinheiro que se servem de fantoches apátridas para exaurir o Continente. São as moscas do circo, sábias moscas entendidas em tiranizar: os ditadores que, agraciados pelo dinheiro do Hemisfério Norte, usufruem de um poder absoluto cujo preço é a obediência que lhes faz satisfazer os amos, qualquer que seja a ordem recebida, entregando à miséria e à destruição o seu próprio povo. É entre essas moscas sanguinárias que a Companhia Fruteira desembarca, protegida pelas leis dos ditadores de turno, para arrebatar o café e as frutas no abismo açucarado dos portos.

Na verdade, são acordos que ninguém ignora como, igualmente, são conhecidas as vítimas que fazem. Na última estrofe do poema, Pablo Neruda se volta para elas: índios, enterrados em meio à névoa da manhã, o corpo a cair, uma coisa / sem nome, um número caído,/ um racimo de fruta morta/ derramada na podridão. Síntese do que sempre foram, para os investidores, para os que professam proselitismos, para os que pretendem ser salvadores dos que endossam outras ideologias,  os homens do Continente. E a História que tem sido feita, ao eludir ou esconder essas relações, não apenas faz desaparecer assassinatos e roubos como impede perceber que as mesmas manhas e as mesmas patranhas continuam a vigorar no mapa da América.

 

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