domingo, 18 de fevereiro de 2001

Expressões do amor

            O poema foi escrito em inglês por Jorge Luis Borges e Raúl Zurita o traduziu, aventando que seu autor talvez não o tenha feito por recato. É o segundo dos “Two English poems”, feito de magníficos versos de amor. Aqueles que, na imaginação do ensaísta chileno, poderiam ter sido recitados por Van Gogh nesse momento que lhe foi atribuído de pedir à mulher amada que fique perto dele o tempo que possa agüentar com a palma da mão sobre a chama de uma vela acesa.

            No seu livro de ensaios Sobre el amor, el sufrimiento y el nuevo milenio (Santiago, Andrés Bello, 2000), o primeiro porque Raúl Zurita é essencialmente um poeta de muitos livros publicados, neste, que dedica a Van Gogh e Borges, ele se fixa nas comoventes expressões amorosas de homens que vivem nas zonas obscuras da solidão.

            A mais prosaica e ingênua das frases inicia o poema: Então, posso te abraçar? E o segundo verso, assim como todos os que seguem, é a busca de uma aquiescência na perfeita e clara enumeração dos motivos que lhe dariam o direito de pretender esse bem. Pois o poeta tudo oferece à mulher amada: a visão das ruelas e dos crepúsculos e da Lua nos subúrbios maltratados; seus antepassados; o conteúdo de seus livros; a sua dignidade e o seu humor; a lealdade de um homem que nunca foi leal; o coração intacto tanto nas alegrias como nas adversidades; a lembrança de uma rosa amarela percebida no anoitecer; a solidão e a fome de seu coração. Também, o conhecimento que presume ter sobre a mulher que tenta seduzir com a incerteza, com o perigo, com a derrota, sentimentos que o habitam e que, mais do que o amor, se mostram no falar de si mesmo, no que vê e o emociona, do que já escreveu, de sua amargura e dos anseios de seu coração. E é a trilha desses anseios que percorre Raúl Zurita nos seus ensaios. Como, se de repente, nada existisse fora do pulsar de algumas palavras, de certos versos que no seu repetir insistente comovem com a mesma força que a visão do mar ou o esplendor das cordilheiras sob a neve. Raúl Zurita reflete sobre a magia dos sentimentos, sobre eventuais verdades que tentam corrigir o mundo e a sua leitura da Ilíada, do Mahabharata, dos Evangelhos o mostram um visionário cuja crença no amor se sobrepõe ao medo e ao sofrimento. Assim, num ensaio, dirá: Meu Deus [...], se algo do teu esplendor persiste apesar do frio e da sombra, me diz, nos diz algo que nos faça tornar a ver de novo esta terra. Que nos faça tornar a ver seus milhões de lábios entoando juntos os movimentos do beijo e do canto. E, noutro ensaio, decidirá que o mais belo grafitti do mundo foi o que viu gravado, há anos, num muro velho da periferia de São Paulo: Maria, eu te amo. As palavras estavam, apenas, visíveis, gastas pelo tempo e, um pouco mais abaixo, em letras acabadas de pintar, havia sido acrescentado: Maria, eu continuo te amando. No alto, o céu parecendo uma promessa; na rua, diante da espontânea e singela confissão, a certeza do poeta de que, ali, sobre esse muro paulista, fora dito algo que nenhum ensaio sobre arte, nem nenhum congresso internacional de literatura poderia conter.

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