O
poema foi escrito em inglês por Jorge Luis Borges e Raúl Zurita o traduziu,
aventando que seu autor talvez não o tenha feito por recato. É o segundo dos
“Two English poems”, feito de magníficos versos de amor. Aqueles que, na
imaginação do ensaísta chileno, poderiam ter sido recitados por Van Gogh nesse
momento que lhe foi atribuído de pedir à mulher amada que fique perto dele o
tempo que possa agüentar com a palma da mão sobre a chama de uma vela acesa.
A
mais prosaica e ingênua das frases inicia o poema: Então, posso te abraçar? E o segundo verso, assim como todos os que
seguem, é a busca de uma aquiescência na perfeita e clara enumeração dos
motivos que lhe dariam o direito de pretender esse bem. Pois o poeta tudo
oferece à mulher amada: a visão das ruelas e dos crepúsculos e da Lua nos
subúrbios maltratados; seus antepassados; o conteúdo de seus livros; a sua
dignidade e o seu humor; a lealdade de um
homem que nunca foi leal; o
coração intacto tanto nas alegrias como nas adversidades; a lembrança de uma
rosa amarela percebida no anoitecer; a solidão e a fome de seu coração. Também,
o conhecimento que presume ter sobre a mulher que tenta seduzir com a incerteza, com o perigo, com a derrota,
sentimentos que o habitam e que, mais do que o amor, se mostram no falar de si
mesmo, no que vê e o emociona, do que já escreveu, de sua amargura e dos
anseios de seu coração. E é a trilha desses anseios que percorre Raúl Zurita
nos seus ensaios. Como, se de repente, nada existisse fora do pulsar de algumas
palavras, de certos versos que no seu repetir insistente comovem com a mesma
força que a visão do mar ou o esplendor
das cordilheiras sob a neve. Raúl Zurita reflete sobre a magia dos
sentimentos, sobre eventuais verdades que tentam corrigir o mundo e a sua
leitura da Ilíada, do Mahabharata, dos Evangelhos o mostram
um visionário cuja crença no amor se sobrepõe
ao medo e ao sofrimento. Assim, num ensaio, dirá: Meu Deus [...], se algo do
teu esplendor persiste apesar do frio e da sombra, me diz, nos diz algo que nos
faça tornar a ver de novo esta terra. Que nos faça tornar a ver seus milhões de
lábios entoando juntos os movimentos do beijo e do canto. E, noutro ensaio, decidirá que o mais belo grafitti do mundo foi o que viu gravado,
há anos, num muro velho da periferia de São Paulo: Maria, eu te amo. As palavras estavam, apenas, visíveis, gastas pelo
tempo e, um pouco mais abaixo, em letras acabadas de pintar, havia sido acrescentado:
Maria, eu continuo te amando. No
alto, o céu parecendo uma promessa; na rua, diante da espontânea e singela
confissão, a certeza do poeta de que, ali, sobre
esse muro paulista, fora dito algo que nenhum ensaio sobre arte, nem nenhum
congresso internacional de literatura poderia conter.

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