São
três romances, separados pelo tempo e pelo espaço geográfico: Las lanzas coloradas (1931) do
venezuelano Arturo Uslar Pietri, Hijo de
Hombre (1960) do paraguaio Augusto
Roa Bastos e Gringo viejo (1985) do
mexicano Carlos Fuentes. Eles tem um tema em comum: numa breve seqüência, a
descrição de um baile. Nos três casos, um baile surpreendente.
Nunca
se haviam visto refletidos, de corpo inteiro, num espelho. Não sabiam que seus corpos eram algo mais do que um pedaço de sua
imaginação ou um reflexo quebrado num rio. Por isso, o salão de baile não
tinha sido queimado, salvando-se da destruição quando os revoltosos invadiram a
fazenda dos Miranda que haviam construído esse Versalhes em miniatura com suas
paredes cobertas de espelho e o seu assoalho feito de um elegante parquê, importado da França. Uma verdadeira e estranha
jóia, encravada numa propriedade rural tão imensa que para atravessá-la era
preciso viajar de trem durante dois dias e uma noite. Quando os revoltosos nela
chegaram, enforcaram, nos postes do telégrafo, os federais que defendiam o governo e a incendiaram. Os donos
já haviam partido, em busca de melhores
ares, para a França. De qualquer modo, muito pouco ali viviam. Apenas uns
breves dias de férias quando, se entediando, buscavam se distrair a galopar
pelos campos onde golpeavam os trabalhadores que, dobrados sobre seus pobres
campos de feijão ou de um trigo frágil, não reagiam mesmo diante das afrontas
que faziam às suas mulheres sobre as quais se lançavam, sem freios.
E, foram esses maltratados pelo trabalho que
mal lhes matava a fome e mal lhes permitia viver, na humilhação cotidiana de
estar sempre submisso ao mandante de turno, à sacristia e às aristocracias
ridículas que se lançaram à Revolução, buscando, na luta, mudar o que, até
então, os mantivera imobilizados como escravos ou como réus.
No romance Gringo viejo (Fondo de Cultura Económica, 1985), de Carlos
Fuentes, um punhado deles, donos apenas do direito de serem rebeldes, segue o
general Tomás Arroyo, filho espúrio de um Miranda. Criado entre dois mundos, o
da opulência paterna, que lhe é negado e o da miséria materna, ao qual
pertence, sabe o quanto precisa mudar no seu mundo de praga e de fome e que as
mudanças devem ser feitas à revelia das regras existentes.
Em meio ao cheiro de comida, a cavalos soltos
e a carretas abandonadas, em meio ao pó e à fumaça, eles se instalaram perto
das ruínas da fazenda incendiada e da qual restava, apenas, o salão de baile. E
foi nele que irrompeu a festa. Primeiro risos e uma trombeta desafinada. Logo,
brincadeiras, uma guitarra e o acordeão. Os homens e as mulheres da tropa,
misturados com os da aldeia, dançavam e se beijavam furtivamente. Outra vez, a
festa no salão de baile dos Miranda. Mas, seus espelhos já não refletiam os
meneios elegantes dos que antes aí dançavam valsas. Agora, era a alegria de uma polca norte-americana, as esporas dos ginetes
se arrastando no chão, rasgando e
estraçalhando o parquê vindo da França. Como se a prepotência tivesse sido,
verdadeiramente expugnada. Como se os direitos que pretendiam conquistar lhes
fossem, na verdade, concedidos.
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