Eu ponho a minha alma onde quero
E não me nutro de papel cansado
Adubado de tinta e de tinteiro
Nasci para cantar a Stalingrado.
No
dia 30 de setembro de 1942, Pablo Neruda dá a conhecer o seu “Canto a Stalingrado”. No dia seguinte, o poema,
impresso em cartazes, está espalhado pelos muros do México, cidade onde os poetas, nessa década
tão cheia de tensões, eram, como os considerava Pablo Neruda, apenas formalistas. Daí a polêmica
provocada pelos seus versos no jornal Novedades.
Como resposta, o poeta chileno leu, num banquete, o seu “Nuevo canto de
amor a Stalingrado” que a “ Sociedad Amigos de la URSS” publicou no ano
seguinte e que, mais tarde, fará parte de Tercera
residencia (Buenos Aires, Losada, 1947).
As
três primeiras estrofes, das vinte e oito que compõem o poema, dão fé do que
foram seus versos antes de España en el
corazón: um refúgio para as tristezas do mundo. Diante do que presenciou em
Madrid quando o General Franco, apoiado por Hitler e por Mussolini, se propôs
salvar a Espanha da República, da
alfabetização, da democracia parlamentar,
da liberdade de consciência e da justiça social a sua poesia tornar-se-á uma
arma de combate.(Monegal, Emir
Rodriguez.)El viajero inmovil, Buenos Aires, Losada,1966.)
E
em “Nuevo canto de amor a Stalingrado” que Pablo Neruda sabe irá indignar
poetas, poetrastos, críticos e intelectuais conservadores, enunciará esse novo caminho que pretende sem entraves (eu ponho a minha alma onde quero) e,
ainda, sem palmilhar (eu não me nutro
de papel cansado/adubado de tinta e de
tinteiro) e pré-determinado (nasci
para cantar a Stalingrado).Sua
poesia será narrativa e movida por sentimentos muito fortes: indignação diante
das perdas humanas e das traições, admiração diante do heroísmo, demonstrado
quando do ataque de que a cidade foi vítima. Nas sétima, oitava e nona
estrofes, se refere aos americanos, franceses e ingleses que, se aliando contra
os nazistas e fascistas, lhe prestam ajuda. Repete, como num estribilho, o
último verso : Já não estás sozinha,
Stalingrado. As estrofes que se seguem falam dos invasores que, de certa
forma, ainda que por razões diversas, também morreram por ela. E a décima
segunda, décima terceira e décima quarta, metáforas elogiosamente, antropomorfizam a cidade e
homenageiam os seus heróis. Nas estrofes seguintes expressa, a esperança (O sal profundo que trazes de novo, A esperança que irrompe nos jardins) da
qual a cidade é detentora para, então, seguir os passos dos conquistadores fugitivos no caminho da
destruição que passou pela França, Tchecoslováquia, Grécia, Espanha, Holanda e
Noruega. Depois, duas estrofes para louvar Stalingrado, antecedendo a última,
diferente das anteriores pelo seu número de versos e pelo retorno à primeira
pessoa com que se inicia o poema (e, também, a terceira, quarta e quinta
estrofe). Uma expressão que revela, sem peias, o poeta no seu gosto pelas
coisas (Guarda-me um pedaço de violenta espuma,/ guarda-me um rifle,
guarda-me um arado”/ e que o coloquem
na minha sepultura), no anseio que não o abandona de prolongar os
sentimentos mesmo depois da morte, no querer proclamar o amor que sente (que morri te amando e que me amaste) e
no desejo de participar das lutas mas com suas próprias armas: e se não combati na tua cintura/ deixo em tua honra esta granada escura,/ este
canto de amor a Stalingrado.
E
foi este poema “Canto de amor a
Stalingrado” que leu aos mineiros da cidade de Lota, ao participar de um
comício. Desse momento, deixou testemunho no seu livro de memórias (Confieso que he vivido, Barcelona, Seix Barral, 1974). Conta que
eram uns dez mil homens e que do alto da
tribuna onde estava, podia ver aquela imensidão de chapéus e de cascos de
mineiros. Quando anunciaram o seu nome e o título do poema que iria ler, a
multidão, ao mesmo tempo, com único e imenso gesto se descobriu numa espuma de calada reverência. Pablo Neruda diz que, então,
o seu poema cresceu e atingiu como nunca
o seu tom de guerra e de liberação.

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