Minha vida é feita de todas as vidas: as
vidas do poeta.
Pablo Neruda.
Poeta,
Pablo Neruda, como poucos, viveu momentos de uma intensa emoção. Não apenas a
de se sentir amado ou alvo de admiração fervorosa, mas, também, a de poder
interferir em determinadas circunstâncias, mudando-lhes o sentido.
Na
décima primeira parte de seu livro de memórias, Confieso que he vivido, (Barcelona, Seix Barral, 1974) por ele
intitulada “La poesia es un oficio”, diz que jamais pensou, ao escrever seus
primeiros livros, que ao longo dos anos, iria lê-los em praças, ruas, fábricas,
aulas, teatros e jardins. E, recorda algumas passagens em que, ao fazê-lo, recebeu
preitos de carinho, testemunho de
respeito, sem dúvida, motivo suficiente para levá-lo a acreditar que tem sido
privilégio de nossa época – entre guerras, revoluções e grandes movimentos sociais – desenvolver a
fecundidade da poesia até limites insuspeitáveis.
Estas suas palavras irão ter um significado mais amplo ao serem seguidas pelo
relato do que lhe aconteceu no Mercado mais popular de Santiago do Chile ou na
praça de Lota quando da leitura de seus poemas ou do que fez acontecer na
cidade do México ao tornar público o seu poema para Tina Modotti.
Chegara
Pablo Neruda ao México em 1940, logo depois do retorno de Tina Modotti que, por
atividades políticas, fora expulsa do país. Nascida na Itália em 1896, havia
emigrado, muito jovem, para os Estados Unidos de onde, três anos depois,
partira para o México. Lá, se uniu ao grupo que preconizava a união do
artístico com o social – David Alfaro Siqueiros, Diego Rivera, Rufino Tamayo,
Rafael Alberti, Antonio Machado e Frida Kahlo – e as fotos que faz, então,
testemunham as injustiças e as desigualdades sociais contra as quais ela passa
a lutar. Quando Pablo Neruda a conheceu, abandonara a fotografia para se dedicar, inteiramente ao
Partido Comunista. Sempre disposta a
qualquer tipo de tarefa, mesmo aquelas
mais humildes e ainda sabendo que a sua saúde estava prejudicada por um
problema cardíaco que, realmente lhe provocou a morte. Morreu dentro de um taxi
que a levava para casa. Os jornais não a pouparam, inventando histórias
inacreditáveis em que era apresentada como a
mulher misteriosa de Moscou que havia morrido por saber demais. Indignado, Pablo Neruda decide escrever um poema
que ele mesmo rotula de desafiante e mandá-lo para todos os
jornais embora acreditando que nenhum deles o publicaria. No dia seguinte,
porém, em lugar da revelações prometidas, estavam, em todas as páginas, os seus versos.
“Tina
Modotti há muerto” (publicado mais tarde, em Tercera residencia, no ano de 1947, pela Losada de Buenos Aires) é
um poema de dez estrofes, cada uma com quatro versos. O poeta o inicia,
dizendo-lhe o nome e chamando-a de irmã e querendo crer que não dorme. Mas, a
dúvida de um talvez presente no verso
seguinte, relacionando o seu coração com o crescer da rosa, sugere que ela já
se encontra num mundo novo. Então, expressa o desejo que descanse, tendo como
assente, na próxima estrofe, que o seu espaço é outro (a nova terra é tua), que o seu vestir é outro (puseste um novo traje de semente profunda),
metáforas que levam a uma certeza: não dormirás
em vão, irmã.
A
repetição da palavra hermana (irmã)
torna claro o seu compromisso de afetos
e escolhas ideológicas com Tina Modotti. O perfil que dela traça, na enumeração de palavras com
imensa força de sugestão – abelha, sombra, fogo, neve, silêncio, espuma de aço,
linha, pólen -, torna mais
desprezivelmente violenta, a presença de quem a persegue então rotulado de chacal,
assassino, vendido.
Convicto,
ele próprio das verdades que buscava Tina Mondotti, o poeta não hesita em
afirmar que o mundo caminha na direção que ela preconizava, num anseio
propagado nas velhas cozinhas de tua pátria, nos caminhos empoeirados, algo se diz e
acontece, algo volta à chama de teu dourado povo, algo desperta e canta.
Anseio compartido – outra vez a chama de irmã -
pelos que hoje dizem teu nome e
que, na verdade, são muitos, de todas as
partes, da água e da terra. Entre
eles, o poeta, ao usar a primeira pessoa plural: com tu nombre otros nombres
callamos e décimos (com teu nome outros nomes calamos e dizemos). Desejando, talvez, reafirmar o prestígio,
o valor da mulher que defende, Pablo Neruda usa o advérbio hoy (hoje) que se refere a esse dia preciso em que à beira do
túmulo de Tina Modoti irá declamar o seu poema e que pode ter o sentido ampliado para o momento em que vivem:
quando, ainda, era possível, para alguns, aspirar à justiça social. Tempo e
pensamento que o poeta pretende
eternizar, no último verso do poema quando afirma: Porque el fuego no muere (Porque o fogo não morre).
Tina
Modotti jaz no cemitério da cidade do México, sob uma pedra de granito mexicano.
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