Em
1931, Arturo Uslar Pietri publicava, na Espanha, seu romance Las lanzas coloradas. Havia estreado,
três anos antes na vida literária de seu país com Barrabás y otros relatos, livro que irrompia contra os cânones
estéticos dominantes – e, então, não foi muito bem visto na época – o que iria,
mais tarde, conferir-lhe foros de um “clássico” da Literatura Venezuelana.
Las lanzas coloradas é um dos poucos
livros, junto com Huasipungo (1934), La
serpiente de oro (1935) e Angústia
(1936) a preencher a década de trinta, no dizer do crítico peruano Luiz
Alberto Sánchez, no que concerne aos narradores latino-americanos, bem pouco
brilhante.
Rotulado
de romance
histórico, de romance da
independência, Las Lanzas coloradas na
verdade, além de um breve drama, no melhor estilo romântico (Inês, moça branca
e rica, órfão e sozinha na sua propriedade, uma vez que o irmão fora à cidade
participar de uma reunião política, é violada pelo feitor da fazenda que, a
seguir, manda incendiar a casa) é um relato de momentos que antecederam as
lutas ocorridas para libertar do domínio espanhol o território que hoje se
constitui a Venezuela e alguns embates travados entre os revolucionários e os
que, por espanhóis ou por interesses, permaneceram fiéis ao rei da Espanha.
Na reunião
clandestina que tramava a revolução, vinte jovens de rostos prematuramente graves, escondidos num sótão, se tratam de cidadãos e, em nome da Pátria e da
Liberdade, recebem o novo adepto: Fernando Fonta. E ele, que sempre vivera em suas terras
trabalhadas por negros, de repente, descobre um mundo novo ao ouvir falar que
todos os que nascem no mesmo território são irmãos e que por eles se deve
lutar; que todos os homens que nasceram fora desse território que lhes pertence
são estrangeiros e não devem ter mando, nem intervenção sobre a terra que é
deles e para eles. Logo, o Secretário da reunião, se põe a ler a tradução dos
Direitos do Homem e do Cidadão, impressa, clandestinamente, em Bogotá, cujo
primeiro artigo é submetido a comentários. Diz um dos moços tratar-se de um
princípio quase axiomático: na natureza, todos os seres, dentro de cada
espécie, são iguais. Na sociedade humana, os indivíduos são desiguais. A
natureza é obra de Deus; a sociedade é obra dos homens. Daí a conclusão de que
não é difícil saber em qual das duas
está o erro.
O
recém-chegado, com uma experiência de vida, baseada, inteiramente, na
desigualdade – e o rei, e o capitão, e os pais, e os nobres, e os plebeus, e os
brancos e os pretos – argumenta que, ao contrário, toda a Criação proclama a
desigualdade pois nem todos os animais possuem a mesma força e nem todos tem a
mesma capacidade para se defender e que até no Céu existem as hierarquias. Nem
por tal desacordo, no entanto, a leitura é interrompida e os princípios vão
sendo festejados tão acaloradamente como os Do contrato social ou princípios do direito político que, bem
devagar, o Presidente começa a traduzir e cujas palavras nenhum deles sabe
discutir. Apenas, aceitar ou recusar mas, antes de mais nada, convictos de que o
governo democrático é a expressão da vontade geral e que, ao conhecer-lhes
as vantagens, é impossível que todos os homens não a proclamem imediatamente.
Eram jovens,
povoados de ilusões, certos que a igualdade sendo possível na França e nos
Estados Unidos onde foi boa, por que não o seria para as futuras nações do
Continente?
É quando o
leitor cheio de experiência e dono de poder olhar para cada uma das nações que
nasceram – é permitido, talvez aconselhável, acreditar – dessas idéias e desses
sonhos, será levado a acrescentar que não por já ter sido dito ele deve se
abster de dizer outra vez: que, no Continente, muito mais do que haver cidadãos
que sejam iguais perante a Lei, há aqueles que (quem são?, quantos são?, até
quando o serão?) sempre, são muito mais iguais do que os outros.

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