domingo, 4 de junho de 2000

Dos (Aperfeiçoados) Direitos do Homem e do Cidadão.

            Em 1931, Arturo Uslar Pietri publicava, na Espanha, seu romance Las lanzas coloradas. Havia estreado, três anos antes na vida literária de seu país com Barrabás y otros relatos, livro que irrompia contra os cânones estéticos dominantes – e, então, não foi muito bem visto na época – o que iria, mais tarde, conferir-lhe foros de um “clássico” da Literatura Venezuelana.

            Las lanzas coloradas é um dos poucos livros, junto com Huasipungo (1934),  La serpiente de oro  (1935)  e Angústia (1936) a preencher a década de trinta, no dizer do crítico peruano Luiz Alberto Sánchez, no que concerne aos narradores latino-americanos, bem pouco brilhante.

Rotulado de  romance histórico, de romance da independência, Las Lanzas coloradas na verdade, além de um breve drama, no melhor estilo romântico (Inês, moça branca e rica, órfão e sozinha na sua propriedade, uma vez que o irmão fora à cidade participar de uma reunião política, é violada pelo feitor da fazenda que, a seguir, manda incendiar a casa) é um relato de momentos que antecederam as lutas ocorridas para libertar do domínio espanhol o território que hoje se constitui a Venezuela e alguns embates travados entre os revolucionários e os que, por espanhóis ou por interesses, permaneceram fiéis ao rei da Espanha.

Na reunião clandestina que tramava a revolução, vinte jovens de rostos prematuramente graves, escondidos num sótão, se tratam de cidadãos e, em nome da Pátria e da Liberdade, recebem o novo adepto: Fernando Fonta.  E ele, que sempre vivera em suas terras trabalhadas por negros, de repente, descobre um mundo novo ao ouvir falar que todos os que nascem no mesmo território são irmãos e que por eles se deve lutar; que todos os homens que nasceram fora desse território que lhes pertence são estrangeiros e não devem ter mando, nem intervenção sobre a terra que é deles e para eles. Logo, o Secretário da reunião, se põe a ler a tradução dos Direitos do Homem e do Cidadão, impressa, clandestinamente, em Bogotá, cujo primeiro artigo é submetido a comentários. Diz um dos moços tratar-se de um princípio quase axiomático: na natureza, todos os seres, dentro de cada espécie, são iguais. Na sociedade humana, os indivíduos são desiguais. A natureza é obra de Deus; a sociedade é obra dos homens. Daí a conclusão de que não é difícil saber  em qual das duas está o erro.

O recém-chegado, com uma experiência de vida, baseada, inteiramente, na desigualdade – e o rei, e o capitão, e os pais, e os nobres, e os plebeus, e os brancos e os pretos – argumenta que, ao contrário, toda a Criação proclama a desigualdade pois nem todos os animais possuem a mesma força e nem todos tem a mesma capacidade para se defender e que até no Céu existem as hierarquias. Nem por tal desacordo, no entanto, a leitura é interrompida e os princípios vão sendo festejados tão acaloradamente como os Do contrato social ou princípios do direito político que, bem devagar, o Presidente começa a traduzir e cujas palavras nenhum deles sabe discutir. Apenas, aceitar ou recusar mas, antes de mais nada, convictos de que o governo democrático é a expressão da vontade geral e que, ao conhecer-lhes as vantagens, é impossível que todos os homens não a proclamem imediatamente.

Eram jovens, povoados de ilusões, certos que a igualdade sendo possível na França e nos Estados Unidos onde foi boa, por que não o seria para as futuras nações do Continente?

É quando o leitor cheio de experiência e dono de poder olhar para cada uma das nações que nasceram – é permitido, talvez aconselhável, acreditar – dessas idéias e desses sonhos, será levado a acrescentar que não por já ter sido dito ele deve se abster de dizer outra vez: que, no Continente, muito mais do que haver cidadãos que sejam iguais perante a Lei, há aqueles que (quem são?, quantos são?, até quando o serão?) sempre, são muito mais iguais do que os outros.

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