São
três romances, separados pelo tempo e pelo espaço geográfico: Las lanzas
coloradas (1931) do venezuelano Arturo Uslar Petri, Hijo de Hombre (1960) de
Augusto Roa Bastos e Gringo viejo (1985)
do mexicano Carlos Fuentes. Eles têm um tema em comum: numa breve
sequência, a descrição de um baile. Nos três casos um baile surpreendente.
No décimo
primeiro capítulo de Lanzas coloradas,
o comandante dos godos, aqueles que
lutavam para impedir a independência dos territórios americanos do domínio
espanhol, toma de assalto uma pequena cidade e chega até a igreja que servira
de refúgio para os habitantes e onde haviam colocado alguns feridos. Vaidoso do
medo que infundia, ordenou, brevemente, que retirassem os feridos e trouxessem
música. Como fardos – cadáveres e moribundos – foram jogados nas pedras da rua
e, logo, trazidos dois homens: um com a guitarra e outro com o tambor. Toquem,
foi a ordem que ele deu, que dancem todos. No rosto, estampado o pavor, eles
tocaram. A música seca e interminável se repetindo sempre, no mesmo tom. Homens
medrosos e mulheres chorosas começaram a se mover com um balançar torpe e
constante refletindo o sofrimento. Na luz tamisada da igreja, improvisado e sem
alegria, feito para o homem que montado num cavalo negro tudo observava, o
baile significava, apenas, a glorificação da força. E o comandante não se exime
de fazer uso dela. Quando descobrem que havia, na igreja, alguns insurgentes,
os que se opunham aos godos, feitos, então, prisioneiros, ele não titubeia:
além da troça que se permite fazer, dita a sentença de morte, explicando que a
guerra está ficando feia e quem não morre hoje, morre amanhã. Um dos
condenados, jovem revolucionário, impregnado dos Direitos do Homem e do Cidadão,
se dá conta que será sacrificado, de costas para um muro, sem glória com tudo o
que faz parte dele (futuro, sonhos, pátria, lutas), diante de oito bárbaros
que apontam. Não ignora que basta apenas uma ordem e tudo vai acabar. E um
último anseio de vida se expressa nas imagens – a cidade, sua casa, seus pais,
tudo, enfim, que não mais irá rever - que lhe acodem.
A
guitarra e o tambor se debulhavam como grãos. Continuavam todos dançando na
igreja com os mesmos movimentos mecânicos, ao som do mesmo compasso. Ao
escutarem a descarga da fuzilaria, que do exterior inundava o recinto,
redobraram a velocidade de seus passos.
De
repente, calou o tambor e somente ficou sendo ouvida a guitarra, miúda e
nervosa. Alguém perguntou o porquê e
outro alguém respondeu: o do tambor tinha medo e lhe arrebentei os miolos. A
música ia definhando e o barulho dos pés no ladrilho continuavam.
Embora,
no romance de Arturo Uslar Pietri a ação é situada num momento em que se
desatam as lutas pela independência do território que, então, pertencia à
Espanha, não há na trama e na feitura dos personagens, um maniqueísmo evidente
que privilegie os que procuraram se libertar do domínio espanhol. No entanto,
aparecem, no texto, uma ou outra expressão traduzindo a posição ideológica do
romancista. Assim, ao ouvir a voz, informando que havia estourado a cabeça de
um homem por ter demonstrado medo aquele que, defendendo os interesses dos
colonizadores, chefiava o ataque à cidade, sorriu. Na penumbra da igreja e
montado no seu cavalo negro.
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