domingo, 18 de junho de 2000

O baile. 1


São três romances, separados pelo tempo e pelo espaço geográfico: Las lanzas coloradas (1931) do venezuelano Arturo Uslar Petri, Hijo de Hombre (1960) de Augusto Roa Bastos e Gringo viejo (1985)  do mexicano Carlos Fuentes. Eles têm um tema em comum: numa breve sequência, a descrição de um baile. Nos três casos um baile surpreendente.

         No décimo primeiro capítulo de Lanzas coloradas, o comandante dos godos,  aqueles que lutavam para impedir a independência dos territórios americanos do domínio espanhol, toma de assalto uma pequena cidade e chega até a igreja que servira de refúgio para os habitantes e onde haviam colocado alguns feridos. Vaidoso do medo que infundia, ordenou, brevemente, que retirassem os feridos e trouxessem música. Como fardos – cadáveres e moribundos – foram jogados nas pedras da rua e, logo, trazidos dois homens: um com a guitarra e outro com o tambor. Toquem, foi a ordem que ele deu, que dancem todos. No rosto, estampado o pavor, eles tocaram. A música seca e interminável se repetindo sempre, no mesmo tom. Homens medrosos e mulheres chorosas começaram a se mover com um balançar torpe e constante refletindo o sofrimento. Na luz tamisada da igreja, improvisado e sem alegria, feito para o homem que montado num cavalo negro tudo observava, o baile significava, apenas, a glorificação da força. E o comandante não se exime de fazer uso dela. Quando descobrem que havia, na igreja, alguns insurgentes, os que se opunham aos godos, feitos, então, prisioneiros, ele não titubeia: além da troça que se permite fazer, dita a sentença de morte, explicando que a guerra está ficando feia e quem não morre hoje, morre amanhã. Um dos condenados, jovem revolucionário, impregnado dos Direitos do Homem e do Cidadão, se dá conta que será sacrificado, de costas para um muro, sem glória com tudo o que faz parte dele (futuro, sonhos, pátria, lutas), diante de oito bárbaros que apontam. Não ignora que basta apenas uma ordem e tudo vai acabar. E um último anseio de vida se expressa nas imagens – a cidade, sua casa, seus pais, tudo, enfim, que não mais irá rever - que lhe acodem.

            A guitarra e o tambor se debulhavam como grãos. Continuavam todos dançando na igreja com os mesmos movimentos mecânicos, ao som do mesmo compasso. Ao escutarem a descarga da fuzilaria, que do exterior inundava o recinto, redobraram a velocidade de seus passos.

            De repente, calou o tambor e somente ficou sendo ouvida a guitarra, miúda e nervosa. Alguém perguntou o porquê  e outro alguém respondeu: o do tambor tinha medo e lhe arrebentei os miolos. A música ia definhando e o barulho dos pés no ladrilho continuavam.

            Embora, no romance de Arturo Uslar Pietri a ação é situada num momento em que se desatam as lutas pela independência do território que, então, pertencia à Espanha, não há na trama e na feitura dos personagens, um maniqueísmo evidente que privilegie os que procuraram se libertar do domínio espanhol. No entanto, aparecem, no texto, uma ou outra expressão traduzindo a posição ideológica do romancista. Assim, ao ouvir a voz, informando que havia estourado a cabeça de um homem por ter demonstrado medo aquele que, defendendo os interesses dos colonizadores, chefiava o ataque à cidade, sorriu. Na penumbra da igreja e montado no seu cavalo negro.

           

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