Os
olhos já não vêem seres humanos, mas braços com lanças vermelhas e os outros
tampouco enxergam homens mas braços com lanças, braços vermelhos com lanças vermelhas. Arturo Uslar Pietri.
No meio da praça, sob as chispas amarelas da
bandeira, o general Ribas disparava ordens e via a acometida que chegava
acelerando. Todos viam. Na pequena cidade, entre as casas, embaixo das
árvores, a tropa preparava o combate.
Com precipitação, os soldados levantavam barricadas, experimentavam o fio da
lança, examinavam os arreios, posicionavam os canhões. Da torre da igreja, o
sentinela passava o olhar pelas colinas, pela cidade, pelo vale onde se movia,
com lentidão, a massa de inimigos. A sua frente, montando um cavalo negro, o
comandante tinha, como se elas fossem o seu alvo, o olhar fixo nas paredes
brancas das casas; atrás dele, à direita e à esquerda, a cavalaria. Sobre todas
as cabeças o esplendor das lanças como se as estrelas tivessem ficado
baixas. De repente, um grupo se adianta, velozmente, alcança as primeiras
casas e se mete pelas ruas. O combate que então se trava entre os que tinham em
seu poder a cidade e os que arremetiam contra ela é narrado, no décimo segundo
capítulo de Las lanzas coloradas
(Caracas, Ministerio de Educación Nacional de Venezuela, 1946) de Arturo Uslar
Pietri.
Num
texto em que alia à agilidade do relato um dizer pleno de achados estilísticos
(se teciam os alaridos das cornetas, se levantavam tormentas de gritos, os
canhões desatam seu trovão repetido,
o ar está cheio do grito de uma corneta) ele se detém nas ações coletivas
para mostrar o horror de uma luta onde muito poucos tem noção dos reais motivos
pelos quais estão se digladiando. É um narrar que se faz de seqüências breves,
registrando num desfile cruel e alucinante o destinos dos homens e dos animais
lançados uns contra os outros e, então, vítimas dos idênticos desvarios que
dominam os dois campos opostos: cavalos e ginetes caem sob o fogo; rodam pela
encosta do morro os corpos dos mortos; são pisoteados pelos animais em fuga os
que já estão sem vida; espantados e
loucos os cavalos sem ginetes debandam; a rua desaparece sob os corpos dos
homens e dos cavalos caídos; o sangue cobre as pedras da rua, escorre pelos
braços dos combatentes. No meio de uma
orquestra de ruídos (o alarido das cornetas e o matracar da fuzilaria e o
tamborilar das patas dos cavalos e as vozes e os gritos dos homens) há um
repetir de ações (a correria dos cavalos, o disparar dos canhões, homens que
morrem feridos por lanças ou pisoteados pelos animais), expressando esse delírio coletivo que é tanto mais cruel
quanto desprovido de sentido – e, na verdade, em que momento eles se
justificariam ? – que não seja o de obedecer ao impulso insano de destruição.
A
razão primeira da luta, a independência da Venezuela, a não ser quando alguns
jovens discutem numa reunião clandestina os princípios que devem regê-la, se
dilui ao longo do romance e está quase ausente neste décimo segundo capítulo.
Assim, Las lanzas coloradas,
considerado pela critica como o romance
da independência, parece se constituir,sobretudo, uma reflexão sobre a maneira como
essa independência foi alcançada: muitos

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