domingo, 11 de junho de 2000

O ataque.


Os olhos já não vêem seres humanos, mas braços com lanças vermelhas e os outros tampouco enxergam homens mas braços com lanças, braços  vermelhos com lanças vermelhas. Arturo Uslar Pietri.           

            No meio da praça, sob as chispas amarelas da bandeira, o general Ribas disparava ordens e via a acometida que chegava acelerando. Todos viam. Na pequena cidade, entre as casas, embaixo das árvores, a tropa  preparava o combate. Com precipitação, os soldados levantavam barricadas, experimentavam o fio da lança, examinavam os arreios, posicionavam os canhões. Da torre da igreja, o sentinela passava o olhar pelas colinas, pela cidade, pelo vale onde se movia, com lentidão, a massa de inimigos. A sua frente, montando um cavalo negro, o comandante tinha, como se elas fossem o seu alvo, o olhar fixo nas paredes brancas das casas; atrás dele, à direita e à esquerda, a cavalaria. Sobre todas as cabeças o esplendor das lanças como se as estrelas tivessem ficado baixas. De repente, um grupo se adianta, velozmente, alcança as primeiras casas e se mete pelas ruas. O combate que então se trava entre os que tinham em seu poder a cidade e os que arremetiam contra ela é narrado, no décimo segundo capítulo de Las lanzas coloradas (Caracas, Ministerio de Educación Nacional de Venezuela, 1946) de Arturo Uslar Pietri.


            Num texto em que alia à agilidade do relato um dizer pleno de achados estilísticos (se teciam os alaridos das cornetas, se levantavam tormentas de gritos, os canhões desatam seu trovão repetido, o ar está cheio do grito de uma corneta) ele se detém nas ações coletivas para mostrar o horror de uma luta onde muito poucos tem noção dos reais motivos pelos quais estão se digladiando. É um narrar que se faz de seqüências breves, registrando num desfile cruel e alucinante o destinos dos homens e dos animais lançados uns contra os outros e, então, vítimas dos idênticos desvarios que dominam os dois campos opostos: cavalos e ginetes caem sob o fogo; rodam pela encosta do morro os corpos dos mortos; são pisoteados pelos animais em fuga os que já estão sem vida; espantados e loucos os cavalos sem ginetes debandam; a rua desaparece sob os corpos dos homens e dos cavalos caídos; o sangue cobre as pedras da rua, escorre pelos braços dos combatentes. No meio de  uma orquestra de ruídos (o alarido das cornetas e o matracar da fuzilaria e o tamborilar das patas dos cavalos e as vozes e os gritos dos homens) há um repetir de ações (a correria dos cavalos, o disparar dos canhões, homens que morrem feridos por lanças ou pisoteados pelos animais), expressando  esse delírio coletivo que é tanto mais cruel quanto desprovido de sentido – e, na verdade, em que momento eles se justificariam ? – que não seja o de obedecer ao impulso insano de destruição.

            A razão primeira da luta, a independência da Venezuela, a não ser quando alguns jovens discutem numa reunião clandestina os princípios que devem regê-la, se dilui ao longo do romance e está quase ausente neste décimo segundo capítulo. Assim, Las lanzas coloradas, considerado pela critica como o romance da independência, parece se constituir,sobretudo, uma reflexão sobre a maneira como essa independência foi alcançada: muitos

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