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voltavam cobertos de glória e mostrando, orgulhosos, as lanças tingidas no
sangue dos inimigos da pátria.
Nascido em 1906,
em Caracas, Arturo Uslar Pietri é daquela geração de escritores
latino-americanos que esteve sempre muito próximo do Poder. Foi professor na
Universidade Central da Venezuela, Adido Cultural de seu país na França,
Ministro de Educação, da Fazenda, do Interior e ensinou Literatura
Hispano-americana na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Muito cedo,
publicou o seu primeiro livro de contos, Barrabas
y otros relatos (1928) ao que se seguiram
Red (1936) e Treinta
hombres y sus sombras (1949). Também
fez crítica literária em Letras y
hombres de Venezuela (1948) e
estudos sobre problemas fundamentais de seu país em De una y outra Venezuela (1949). E, mediando dezesseis anos entre
eles, escreveu dois romances históricos: Las
lanzas coloradas (1931) e El camino de El Dorado (1947).
Las lanzas coloradas é considerado o
romance da independência. Embora Arturo Uslar
Pietri, de certa maneira, ainda esteja próximo dos cânones românticos
quando escreve a história de Inês, se
mostra um escritor realista ao se abster de idealizações no relato das lutas e
de seus motivos.
Presentación
Campos era o feitor da fazenda “El
Altar”. Tinha o olhar frio e sem
piedade. Um forte que desprezava os fracos fossem eles escravos ou o
patrão a quem seu instinto recusava ao percebê-lo indeciso, tímido, com
certezas que nada tinham de verdade pois se acreditava um forte e não o era, se
acreditava um revolucionário e não o era, se acreditava inteligente e não o
era. Mas ele, o feitor, diante do qual os escravos se arrastavam, que sorria,
mostrando magníficos dentes, semelhantes ao dos animais carnívoros quando
ameaçavam, sabia bem o que desejava e se fosse para escolher um caminho era
para palmilhá-lo, ainda que o levasse para o precipício. Então, nesse tempo das lutas armadas em que se
digladiavam os que desejavam construir um país e os que não queriam perder as
regalias auferidas como colonizadores em nome do rei, ele se adonou dos
escravos do patrão, violentou-lhe a irmã e incendiou-lhe a casa. E, assim,
chefe de cem homens, meio nus, descalços, uns fortes outros fracos e doentes,
armados de facões, partiu para a guerra. Tão
bonita que era a guerra...! Um bom cavalo, uma boa lança, um bom e vasto campo
e gente para enfrentar. E,
cavalgava diante de seus homens, em silêncio por não saber, ainda, de qual lado
lutaria. Próximo de uma pequena cidade, fez alto e chamou um de seus homens para lhe perguntar de que lado iriam se meter : se realista
ou republicano. O recém soldado, após um silêncio de dúvida e medo, pergunta
que diferença faz lutar por um dos lados
ou por outro. Muita, ele responde: os espanhóis tem bandeira vermelha e gritam
“Viva o Rei!” e os revolucionários tem bandeira amarela e gritam “Viva a
liberdade!”. Então, se levantou a voz de outro soldado para dizer: os espanhóis
já estão mandando há mais tempo. Estão ricos e com eles se pode conseguir
alguma coisa. Os revolucionários estão mais desvalidos do que um órfão e estar
com eles é conseguir, apenas, fome.
Outra vez a caminhar sem ordem nem
disciplina, o bando de homens que se sentia livre e forte viu avançar, numa
curva do caminho, um destacamento de tropa regular, armada de fuzis.
Presentación Campos, valentemente, os olhos fixos na bandeira vermelha, gritou:
“Viva o Rei!”.

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