domingo, 28 de maio de 2000

O oportunista.


       ... voltavam cobertos de glória e mostrando, orgulhosos, as lanças tingidas no sangue dos inimigos da pátria. 

            Nascido em 1906, em Caracas, Arturo Uslar Pietri é daquela geração de escritores latino-americanos que esteve sempre muito próximo do Poder. Foi professor na Universidade Central da Venezuela, Adido Cultural de seu país na França, Ministro de Educação, da Fazenda, do Interior e ensinou Literatura Hispano-americana na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Muito cedo, publicou o seu primeiro livro de contos, Barrabas y otros relatos (1928) ao que se seguiram  Red  (1936) e Treinta hombres y sus sombras  (1949). Também fez crítica literária em Letras y hombres de Venezuela  (1948) e estudos sobre problemas fundamentais de seu país em De una y outra Venezuela (1949). E, mediando dezesseis anos entre eles, escreveu dois romances históricos: Las lanzas coloradas (1931) e  El camino de El Dorado (1947).

            Las lanzas coloradas é considerado o romance da independência. Embora Arturo Uslar  Pietri, de certa maneira, ainda esteja próximo dos cânones românticos quando escreve a  história de Inês, se mostra um escritor realista ao se abster de idealizações no relato das lutas e de seus motivos.

            Presentación Campos era o feitor da fazenda  “El Altar”. Tinha o olhar frio e sem  piedade. Um forte que desprezava os fracos fossem eles escravos ou o patrão a quem seu instinto recusava ao percebê-lo indeciso, tímido, com certezas que nada tinham de verdade pois se acreditava um forte e não o era, se acreditava um revolucionário e não o era, se acreditava inteligente e não o era. Mas ele, o feitor, diante do qual os escravos se arrastavam, que sorria, mostrando magníficos dentes, semelhantes ao dos animais carnívoros quando ameaçavam, sabia bem o que desejava e se fosse para escolher um caminho era para palmilhá-lo, ainda que o levasse para o precipício. Então, nesse tempo das lutas armadas em que se digladiavam os que desejavam construir um país e os que não queriam perder as regalias auferidas como colonizadores em nome do rei, ele se adonou dos escravos do patrão, violentou-lhe a irmã e incendiou-lhe a casa. E, assim, chefe de cem homens, meio nus, descalços, uns fortes outros fracos e doentes, armados de facões, partiu para a guerra. Tão bonita que era a guerra...! Um bom cavalo, uma boa lança, um bom e vasto campo e gente para enfrentar. E, cavalgava diante de seus homens, em silêncio por não saber, ainda, de qual lado lutaria. Próximo de uma pequena cidade, fez alto e chamou um de seus  homens para lhe perguntar de que lado iriam se meter : se realista ou republicano. O recém soldado, após um silêncio de dúvida e medo, pergunta que diferença faz lutar  por um dos lados ou por outro. Muita, ele responde: os espanhóis tem bandeira vermelha e gritam “Viva o Rei!” e os revolucionários tem bandeira amarela e gritam “Viva a liberdade!”. Então, se levantou a voz de outro soldado para dizer: os espanhóis já estão mandando há mais tempo. Estão ricos e com eles se pode conseguir alguma coisa. Os revolucionários estão mais desvalidos do que um órfão e estar com eles é conseguir, apenas, fome.

          Outra vez a caminhar sem ordem nem disciplina, o bando de homens que se sentia livre e forte viu avançar, numa curva do caminho, um destacamento de tropa regular, armada de fuzis. Presentación Campos, valentemente, os olhos fixos na bandeira vermelha, gritou: “Viva o Rei!”.

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