domingo, 21 de maio de 2000

Da crítica 3

            A realidade  latino-americana – certamente muitos já o disseram – sempre se mostrou mais fantástica do que a ficção nesses desvarios de injustiças em nome de antigas verdades, nessa perpétua violência do relacionamento entre as classes, nessa fome e nessa doença, nesse analfabetismo jamais erradicado. Realidade que parece fadada a uma vergonhosa permanência a qual nada e ninguém deve ficar alheio porque, evidente mente, ela não é da responsabilidade, apenas, dos dirigentes do país. Mas de todos e sempre. Assim, também, a criação literária.

            Com base nesse pressuposto, aquele que analisa um texto a partir de modas  importadas do Hemisfério Norte, considerando apenas o seu aspecto formal, está muito próximo do estudioso medievo, a discutir, entre quatro paredes, conceitos abstratos, enquanto a fome e a peste dizimam populações. Se tal posição não se apresenta válida mesmo para aqueles cuja nacionalidade lhes permite viver sem presenciar a miséria e a opressão do indivíduo, no que se refere aos estudiosos latino-americanos, para quem a miséria e a opressão se constituem espetáculos cotidianos, ela é inaceitável. Fugir a opções estereotipadas (muitas vezes, lúdicas), que é a escolha de tantos estudiosos da Literatura (abstraindo-se as sempre honrosas exceções), significa, no entanto, enfrentar a mais difícil das posições: a de assumir a realidade vigente, feita da entrega, gradativa, das riquezas do país aos interesses estrangeiros, da posse ilegítima da terra, das  disformes estruturas sociais, do alijamento do saber. Da fome.

            Daí não se limitar o embasamento teórico para uma aproximação do texto, comprometida, também com o seu contexto a um único modelo literário/lingüístico, mas a todo aquele, inclusive o de outras áreas do conhecimento, que permita entendê-lo de maneira mais ampla e completa, embora, muitas vezes, ou quase sempre, no Continente, apenas seja possível a micro-análise: a única forma possível de trabalho quando a bibliografia especifica não está ao alcance da consulta e a imigração cultural para os países detentores de material bibliográfico necessário não se constitui meta prioritária. O imprescindível será sempre – e obrigatória a linguagem clara que permita a compreensão mesmo para os não iniciados – possibilitar perceber os mecanismos de dominação que a, assim dita, elite do país, pugna por manter indecifráveis.
 
            Na verdade, mostra-se muito simples o fio condutor que rege tal posicionamento crítico: a   chamar democráticos os regimes que a governam –, regidas por boas consciências que se auto/ou interjustificam, repetindo-se através de gerações, reafirmando privilégios e desfavores, os textos elaborados no compromisso com o ser humano (e no Continente não são poucos) merecem, exigem uma aproximação que lhes retome o sentido primeiro e não aquela regida por um palavreado inútil e alienante.
convicção de que, se a América Latina segue o seu caminho de violência e tiranias – ainda não é possível

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