... resumida em suas linhas fundamentais
(adequação à peculiaridade da literatura latino-americana, rigor científico e
metodológico, integração ao processo de libertação social), a crítica literária
latino-americana aparece como um vasto e complexo empreendimento que exige,
cada vez mais urgentemente, formas de trabalho coletivo e interdisciplinar. O
cumprimento de seus objetivos requer uma difícil transformação dos hábitos do
trabalho crítico, ainda muito ligados ao individualismo acadêmico, e é possível
que esta transformação seja a condição necessária para resolver eficientemente
o projeto de uma crítica verdadeiramente latino-americana.
Antonio
Cornejo Polar.
São poucos mas
existem: os estudiosos que pretendem uma aproximação à Literatura
Latino-americana com pressupostos teóricos que não repitam aqueles estipulados
pelos centros irradiadores de cultura
considerados indiscutíveis. Antonio Cornejo Polar foi um deles. Considerado um dos pensadores-chaves para o
desenvolvimento de uma conceituação da História literária da América Latina,
além de uma importante obra crítica, foi
diretor-fundador da Revista de Crítica
Literária Latinoamericana, publicada em Lima.
Reunidos
em livro, O condor voa, seus
principais trabalhos críticos acabam de ser publicados pela Editora da
Universidade Federal de Minas Gerais. O volume se divide em quatro partes:
Conceitos de fundação, Os textos paradigmáticos, O indigenismo e
Heterogeneidade.
De
um interesse mais amplo (muitos de seus trabalhos versam sobre a Literatura do
Peru ou dos países andinos), “Problemas
e perspectivas da Crítica Literária Latino-Americana”. Inicia-se com a
referência de Antonio Cornejo Polar à aguda
sensação de desconcerto que
acompanha a prática das diferentes modalidades críticas, desconcerto que se
aprofunda quando se trata da crítica literária
latino-americana na sua necessidade de combinar, coerentemente, as
questões científicas da crítica com uma
realidade social que não admite a
neutralidade de nenhuma atividade humana. Uma idéia desenvolvida no
“Apêndice” que vem logo a seguir e no qual ele enfatiza que a crítica literária
latino-americana deveria considerar-se a
si mesma como parte integrante do processo de libertação de nossos povos.
Argumenta que, de certo modo, ela se constitui crítica
ideológica e esclarecimento da realidade
o quê, aliando-se à definição das imagens do mundo propostas pela Literatura, à
determinação das características do processo de produção, cumpriria, na medida
que lhe corresponde, um importante papel na descolonização.
Certamente,
poder-se-ia pensar que Antonio Cornejo Polar fala do que é evidente pois é
inegável (e deveras estranho que possa ser considerado diferente) que nenhum
texto se mostra desvinculado do meio no qual se engendrou. No entanto, uma vez
que a crítica, quase sempre, é exercida pela elite cultural do país e que, no
Continente, essa elite, salvo as muito honrosas exceções, se espelha em idéias
e conceitos alienígenas, muitas vezes, a
aproximação à obra ignora, ostensivamente, o contexto ao seu redor como se com
ele não houvesse relação. E, assim, essa
crítica (querendo ou não) realiza um
trabalho que, ao contrário do que preconizaria o ensaísta peruano, se
reafirma como a subserviência do
colonizado.
Almejar que
as categorias pensantes – e quaisquer que sejam as suas áreas de atuação – dos países do Continente se
voltem para os seus países é, sem
dúvida, louvável. Daí, serem de extrema valia as reflexões de Antonio Cornejo
Polar, propondo uma crítica literária latino-americana para o estudo das obras
do Continente. E, importantíssima, essa edição da Universidade Federal de Minas
Geria que, ao colocar essas reflexões ao alcance dos brasileiros está lhes
possibilitando algo de raro: conhecer o que sempre lhe foi tão
negado, ou pela política editorial que reinante no país – e nunca é supérfluo
insistir nisso – publica somente o que é lido no Hemisfério
Norte ou pelos próprios preconceitos
em relação aos demais países da América
Latina
que, desconhecidos, portanto passíveis de serem – o que não é
incomum – ignorados ou desprezados.

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