domingo, 7 de maio de 2000

Da crítica. 1


... resumida em suas linhas fundamentais (adequação à peculiaridade da literatura latino-americana, rigor científico e metodológico, integração ao processo de libertação social), a crítica literária latino-americana aparece como um vasto e complexo empreendimento que exige, cada vez mais urgentemente, formas de trabalho coletivo e interdisciplinar. O cumprimento de seus objetivos requer uma difícil transformação dos hábitos do trabalho crítico, ainda muito ligados ao individualismo acadêmico, e é possível que esta transformação seja a condição necessária para resolver eficientemente o projeto de uma crítica verdadeiramente latino-americana.
                                                                       Antonio Cornejo Polar. 

            São poucos mas existem: os estudiosos que pretendem uma aproximação à Literatura Latino-americana com pressupostos teóricos que não repitam aqueles estipulados pelos centros  irradiadores de cultura considerados indiscutíveis. Antonio Cornejo Polar  foi um deles. Considerado um dos pensadores-chaves para o desenvolvimento de uma conceituação da História literária da América Latina, além de uma importante obra  crítica, foi diretor-fundador da Revista de Crítica Literária Latinoamericana, publicada em Lima.

            Reunidos em livro, O condor voa, seus principais trabalhos críticos acabam de ser publicados pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais. O volume se divide em quatro partes: Conceitos de fundação, Os textos paradigmáticos, O indigenismo e Heterogeneidade.

            De um interesse mais amplo (muitos de seus trabalhos versam sobre a Literatura do Peru  ou dos países andinos), “Problemas e perspectivas da Crítica Literária Latino-Americana”. Inicia-se com a referência de Antonio Cornejo Polar à aguda sensação de desconcerto que acompanha a prática das diferentes modalidades críticas, desconcerto que se aprofunda quando se trata da crítica literária  latino-americana na sua necessidade de combinar, coerentemente, as questões científicas da crítica com uma realidade social que não admite a neutralidade de nenhuma atividade humana. Uma idéia desenvolvida no “Apêndice” que vem logo a seguir e no qual ele enfatiza que a crítica literária latino-americana deveria considerar-se a si mesma como parte integrante do processo de libertação de nossos povos.  Argumenta que, de certo modo, ela se constitui  crítica ideológica e esclarecimento da realidade o quê, aliando-se à definição das imagens do mundo propostas pela Literatura, à determinação das características do processo de produção, cumpriria, na medida que lhe corresponde, um importante papel na descolonização.

            Certamente, poder-se-ia pensar que Antonio Cornejo Polar fala do que é evidente pois é inegável (e deveras estranho que possa ser considerado diferente) que nenhum texto se mostra desvinculado do meio no qual se engendrou. No entanto, uma vez que a crítica, quase sempre, é exercida pela elite cultural do país e que, no Continente, essa elite, salvo as muito honrosas exceções, se espelha em idéias e conceitos alienígenas,  muitas vezes, a aproximação à obra ignora, ostensivamente, o contexto ao seu redor como se com ele não houvesse relação.  E, assim, essa crítica  (querendo ou não)  realiza um  trabalho que, ao contrário do que preconizaria o ensaísta peruano, se reafirma  como a subserviência do colonizado.

            Almejar que as categorias pensantes – e quaisquer que sejam as suas áreas  de atuação – dos países do Continente se voltem para os seus países  é, sem dúvida, louvável. Daí, serem de extrema valia as reflexões de Antonio Cornejo Polar, propondo uma crítica literária latino-americana para o estudo das obras do Continente. E, importantíssima, essa edição da Universidade Federal de Minas Geria que, ao colocar essas reflexões ao alcance dos brasileiros está lhes possibilitando  algo de  raro: conhecer o que sempre lhe foi tão negado, ou  pela política editorial  que reinante no país – e nunca é supérfluo insistir nisso –   publica somente o que é lido no Hemisfério Norte  ou pelos próprios preconceitos em  relação aos demais países da América Latina  que, desconhecidos, portanto passíveis de serem – o que não é incomum – ignorados ou desprezados.

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