As nossas vivandeiras marchavam “lindo”,
como dizem os gaúchos. Passavam Herminia com sua cadela dentro de uma estopa, a
tiracolo; Santa Rosa, com o “José, filho da Revolução” escarranchado num quarto
e muitas vezes cavalgando o pescoço de algum soldado: a velha Joana, pequenina
e gorducha, atolando-se lamentavelmente
até o seios; a Onça, maxixando na lama; Cara de Macaca, carregando o fuzil
do companheiro; Chininha, obesa como certo senador de Sergipe, andarilha
sem igual, apesar de suas avantajadas banhas de mulata. Moreira Lima
Lourenço no seu Diário.
No
oitavo capítulo de A coluna Prestes (Paz
e Terra, São Paulo,1997), Anita Leocádia Prestes observa que o Tenentismo
foi sempre considerado um movimento dos
jovens oficiais do exército e nunca pensado quanto à participação dos soldados
que desse movimento participaram. No seu entender, o efêmero das ações não
produziram, um tipo de movimento ou
organização que pudesse adquirir alguma estabilidade e, assim, permitir que
uma atuação dos comandados pudesse se revelar.
O
caso da Coluna Prestes foi uma exceção. Tanto pelo tempo que durou, dois anos e três meses, como
pela adoção de uma guerra de movimento
e pelo seu funcionamento interno. Uma originalidade – ter sido um exército
guerrilheiro – que permitiu a seus
soldados deixar de ser um mero cumpridor de ordens para se transformar num combatente consciente de que estava lutando
por um ideal de liberdade e justiça
para o povo brasileiro. Embora tais
conceitos pudessem lhe ser vagos ou confusos foram assumidos e responsáveis por
muitas ações brilhantes e corajosas. Sem dúvida, a força e o entusiasmo que
levavam a Coluna Prestes adiante não era usual entre os que faziam parte do
exército regular que lhe dava caça. Um motivo a mais para levar Anita Leocádia
Prestes a querer elucidar a real participação dos soldados na longa marcha pelo
território nacional. Naturalmente, ela
irá se deparar com a dificuldade das fontes pois, se para o estudo qualitativo elas existem amplas e
variadas, o mesmo não acontece no que diz respeito ao estudo quantitativo, fundamental para conhecer
a participação dos comandados nos processos históricos. Ainda assim, houve
condições de auferição de dados que lhe permitiram concluir ter sido marcadamente
popular a origem da grande maioria dos combatentes. Como também lhe foi
possível, a partir dessa pesquisa, obter
informações adicionais sobre a participação feminina na Coluna Prestes.
Ao longo da marcha em que vai-se efetivando o
avance pelo território ( Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Piauí, Bahia) entre as infindáveis dificuldades advindas das
condições do espaço físico – e os rios para atravessar e os charcos e a lama e os matos fechados – e da precariedade do dia a dia e
das lutas que iam sendo travadas, a presença feminina é raras vezes
mencionada. A primeira referência é a
essas mulheres humildes que, em São Luiz Gonzaga, onde estavam os revolucionários gravitam em torno dos
acampamentos e acabam, umas vinte, a eles se incorporando. Temendo que fossem
perturbar o funcionamento da tropa, Luiz Carlos Prestes determina que elas
fiquem no Rio Grande do Sul. Quando, porém, o último a atravessar o rio
Uruguai, ele chega às margens de Santa Catarina, elas já estavam todas lá.
Acompanhando os maridos ou os amásios, se dispunham a enfrentar não apenas as duras
condições de uma vida errante como os perigos inerentes aos enfrentamentos
armados. De algumas foram ditos os nomes: Hermínia e Elza que se ocupavam dos
doentes, indo buscá-los em meio aos fogos cruzados ou se ocupando deles em
pleno combate. A “ Onça”, dançarina de maxixe que salvou uma tropa em perigo; Santa
Rosa, que servia de polícia secreta
contra as mulheres. Pouco antes de entrar em Mato Grosso, ela teve um
menino e em vinte minutos estava a cavalo para seguir com a tropa que vinha com
o inimigo no seu encalço; Alzira e Pisca
Pisca, propensas às bebedeiras e aos escândalos; Tia Maria, cozinheira que
acabou sendo cruelmente morta pela
polícia da Paraíba. Mas, da maioria – foram cinqüenta mulheres das quais
trinta, comprovadamente fizeram a Marcha, dez tendo chegado até à Bolívia – os
perfis e as ações se perderam em histórias que não foram contadas. E seus
dias de lutas e privações foram como se
não tivessem existido. No entanto, se fosseo possível ter lhes seguido os
passos, isto significaria, certamente,
aproximar-se a seres generosamente disponíveis aos quais a vida apenas
concedeu a oportunidade da dádiva, feita, então, aos que dela demonstraram
necessitar. Jogando a vida,
compartilharam o entusiasmo da Coluna Prestes por uma causa que, oriundas de um
pobre mundo, certamente desconheciam. Não eram diferentes dos homens a quem
acompanhavam. No todo, um punhado de gente que se impregnou do país, numa
caminhada de espantos. Epopéia diluída na imensidão do pais e de sua
indiferença.
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