Carlos
Droguett se propôs escrever um romance histórico e de uma frase escrita por
Pedro de Valdivia, no dia 15 de outubro de 1550, ao Imperador Carlos V, ele fez
o título de seu livro: 100 gotas de
sangre y doscientas de sudor. Terminado no outono de 1941, o romance
somente viria à luz, pela Editora Zig-Zag de Santiago, em 1967, liberto de sua
intenção primeira, uma tese que ele deveria defender para se graduar em
Direito. Ao abandonar os estudos
jurídicos para se dedicar à Literatura, o volumoso manuscrito em que reescreve
a Conquista do Continente passa a ser um compromisso revolucionário nesse
voltar-se para o que ocorreu na sua terra, para os seus temas, para o seu
espírito.
Em
100 gotas de sangre y doscientas de
sudor, a ação se inicia pouco depois da destruição da cidade de Santiago no
dia 11 de setembro de 1541 por um ataque de índios que fez com que se perdessem
os documentos, os animais domésticos e todos os demais haveres.
A História
registra que entre o pouco que se salvou estava um punhado de trigo. E é este
punhado de trigo que tem Inés Suárez nas mãos. Muito perto dela, Pedro de
Valdívia, o fundador do Chile e principal figura do romance. No ar tranqüilo do
dia, a cumplicidade entre eles também existe como um jogo de sedução que
floresce em cada um dos gestos de plantio que eles irão esboçar nesse querer
muito forte de por na terra a esperança do alimento. O soldado não teme
ajoelhar-se para juntar os grãos esparramados, tampouco expressar o desejo de
vê-lo jogado no sulco; a mulher fecha as mãos com mistério, ri, suspira e teme.
Por um momento, os gestos se entrelaçam – ela deixa escorrer um fiozinho de
trigo nas mãos do capitão e ele o espalha na terra – e as palavras. Dizendo um que o grão se semeia sozinho, que
a terra reclama as suas sementes, respondendo o outro que o trigo é nervoso e
que, se escuta movimento, irá embora tremendo, que a terra não cuidará das
sementes como quem deseja com veemência fazê-lo. Entremeando-se nos dizeres, os
sentimentos expressos no fugitivo de um sorriso, no toque das mãos, na certeza
para Pedro de Valdivia que a terra irá dar frutos por essa ternura com que foi
semeada por Inés Suárez.
Esta
breve cena – pequeno universo perfeito na estrutura fragmentada do romance –
verdadeiramente magistral no enunciado de um lirismo que faz desse homem e
dessa mulher desumanizados pelo tempo e pelo mito, seres frementes de vida.
Carlos Droguett, como que tenuamente, os
aprisiona no sentir amoroso em que os atrai um para o outro e na busca
telúrica do alimento. Como pano de fundo, a História do Continente que a sua
pena de mestre concede sair do silêncio.
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