domingo, 19 de março de 2000

Os condores.


... voam os condores  incrustados no azul, no quente azul do firmamento, voam airosos, satisfeitos, se perdem grandiosos na direção da cordilheira da neve. 

De madrugada ele chegava, o bater das asas poderosas sobre a cidade em ruínas, destruída pelos índios e pelo incêndio. Pousava no campo, lançava grandes gritos, batia com o bico e as garras e alçava o vôo para posar mais adiante. Uns dias antes, eram  muitos, atraídos pela destruição e mortandade. Depois, apenas um, cada manhã, ameaça para os sãos e para os enfermos que, sem teto, dormiam ao relento, no sobressalto da maléfica espera: a certeza de que um dia ele chegaria, eles chegariam com suas pesadas asas para, com certeiras bicadas, atacar os feridos ou um soldado desprevenido.
 

Era o ano de 1543 e apenas fundada, a cidade já fora atacada, dela restando  nada mais que os seus parcos habitantes, na pobreza: luxo era naquele tempo  que  alguém tivesse outra coisa que não fossem as calças e o gibão para proteger  o seu sono. Em Santiago, o medo não permitia o repouso. Chega a madrugada, o dia e  antes do sol nascer aparece o condor  a voar, a cavoucar a terra, deixando os homens nervosos. Só o olhar para as espadas perto das mãos é capaz de tranqüilizar.

O homem da Conquista se mostra, então,  sem disfarce nesse viver de sobressaltos que a ficção  de Carlos Droguett  mostra como a épica de uma aventura da qual os protagonistas anônimos não deixaram História. E, se o ataque dos condores, representando mais uma ameaça aos ibéricos, em meio à natureza agressiva e inóspita em que se aventuraram na busca do ouro e riquezas, se constitui um episódio que o testemunho histórico registrou – e a leitura da História do Chile, de Luis Galdamer, assim o demonstra   - no romance de Carlos Droguett essa presença constante dos pássaros faz emergir, sem pieguice, o cotidiano martírio.

Como em Supay el cristiano e El hombre que trasladaba las ciudades o romancista chileno não se afasta do que relatam os documentos da Conquista . No entanto,  antes de mais nada,  ele quer fixar o homem na sua força e na sua fraqueza, eludindo idealizações. Em 100 gotas de sangre y 200 de sudor há fracassos, há derrotas, fome e frio e desalento e homens que se mostram indefesos. Enovelar-lhes o medo aos vôos dos condores é dar a eles  uma dimensão que os embates com a natureza mostram ser frágil e desprovida de certezas.

Mas, assim, com homens e não com heróis  é que foi feita  a Conquista do Continente. Uma verdade que a ficção  de Carlos Droguett  se permitiu delinear.

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