...
voam os condores incrustados no azul, no
quente azul do firmamento, voam airosos, satisfeitos, se perdem grandiosos na
direção da cordilheira da neve.
De madrugada
ele chegava, o bater das asas poderosas sobre a cidade em ruínas, destruída
pelos índios e pelo incêndio. Pousava no campo, lançava grandes gritos, batia
com o bico e as garras e alçava o vôo para posar mais adiante. Uns dias antes,
eram muitos, atraídos pela destruição e
mortandade. Depois, apenas um, cada manhã, ameaça para os sãos e para os
enfermos que, sem teto, dormiam ao relento, no sobressalto da maléfica espera:
a certeza de que um dia ele chegaria, eles chegariam com suas pesadas asas
para, com certeiras bicadas, atacar os feridos ou um soldado desprevenido.
Era o ano de
1543 e apenas fundada, a cidade já fora atacada, dela restando nada mais que os seus parcos habitantes, na
pobreza: luxo era naquele tempo que
alguém tivesse outra coisa que
não fossem as calças e o gibão para proteger
o seu sono. Em Santiago, o medo não permitia o repouso. Chega a
madrugada, o dia e antes do sol nascer
aparece o condor a voar, a cavoucar a
terra, deixando os homens nervosos. Só o olhar para as espadas perto das mãos é
capaz de tranqüilizar.
O homem da
Conquista se mostra, então, sem disfarce
nesse viver de sobressaltos que a ficção
de Carlos Droguett mostra como a
épica de uma aventura da qual os protagonistas anônimos não deixaram História.
E, se o ataque dos condores, representando mais uma ameaça aos ibéricos, em
meio à natureza agressiva e inóspita em que se aventuraram na busca do ouro e
riquezas, se constitui um episódio que o testemunho histórico registrou – e a
leitura da História do Chile, de
Luis Galdamer, assim o demonstra - no
romance de Carlos Droguett essa presença constante dos pássaros faz emergir,
sem pieguice, o cotidiano martírio.
Como em Supay el cristiano e El hombre que trasladaba las ciudades o
romancista chileno não se afasta do que relatam os documentos da Conquista . No
entanto, antes de mais nada, ele quer fixar o homem na sua força e na sua
fraqueza, eludindo idealizações. Em 100
gotas de sangre y 200 de sudor há fracassos, há derrotas, fome e frio e
desalento e homens que se mostram indefesos. Enovelar-lhes o medo aos vôos dos
condores é dar a eles uma dimensão que
os embates com a natureza mostram ser frágil e desprovida de certezas.
Mas, assim,
com homens e não com heróis é que foi
feita a Conquista do Continente. Uma
verdade que a ficção de Carlos
Droguett se permitiu delinear.

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