domingo, 6 de fevereiro de 2000

A cidade

          A primeira edição, de Jacinto Ribeiro Santos, Rio de Janeiro, é do ano de 1898: Lutas do coração que a Editora Mulheres de Florianópolis e a EDUNISC de Santa Cruz do Sul publicaram no fim do ano passado em modesta tiragem de quinhentos exemplares, certamente, preciosa ao oferecer à leitura um romance que, somente está à disposição do público na Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo, segundo consta em Escritoras Brasileiras do século XIX.
          Inês Sabino publicou seu primeiro livro de poemas, Rosas pálidas, em 1886, seguido, logo no ano seguinte, por Impressões. Depois, dedicou-se ao conto, a esboços biográficos que resultaram em Mulheres ilustres do Brasil e ao romance. O primeiro deles, Lutas do coração, é rotulado pela autora na dedicatória que faz ao marido e à família como um modesto estudo de psicologia. A ação do romance é, então, pretexto – diz Alberto Pimentel, o prefaciador da obra – para o estudo da alma nas cambiantes infinitas do sentimento humano.  Acrescenta que em Lutas do coração, esse pretexto é a volta de Hermano Guimarães ao Brasil após uma ausência de vinte anos passados na Europa. Por ele se apaixonam três mulheres: sua ingênua prima Angelina, Madame Alencastro, filha de viscondes, casada, (aos olhos daquele a quem ama, uma histérica ) e Ofélia, a mulher livre, mas considerada uma perdida, pelas famílias de trato, embora fosse digna e ilustrada. A ação se passa no Rio de Janeiro que, juntamente com São Paulo, onde o personagem masculino permanece por cinco semanas, tem esboçadas algumas de suas ruas. Mais precisamente, no Rio de Janeiro, a rua do Ouvidor, tida pela autora como feia e estreita mas,  decididamente a artéria do grande mundo, do grande tom, pelo luxo das suas vitrinas, lojas, armarinhos, cafés, restaurantes, papelarias e redações [...]. E a rua do Hospício, agitada pelos que entravam e saíam dos bancos, dos escritórios, dos armazéns, do Correio, da Bolsa em meio ao movimento das carroças e dos bondes, das carruagens e dos tilburis. Nela, já não mais o ponto obrigatório de encontro da melhor sociedade do Rio de Janeiro e suas mulheres elegantes e perfumadas mas, sob as árvores, mulheres turcas a venderem bugigangas e nos quiosques, homens da plebe a tomarem café e a comerem pão e laranja. No ar,  risotas e ditos grosseiros. Intransitável pelo barro, quando chove, asfixiando pelo pó que se levanta, quando faz sol nas Docas, os trapiches e os armazéns mal cheirosos e sujos são o cenário da agitação dos que trabalham – sejam homens, sejam animais – com as sacas de café, com as barricas e com os caixões. Uma agitação que será maior em São Paulo, o empório do grande comércio. Uma cidade onde a enorme vida das fábricas, das lojas, dos hotéis, das livrarias tornam possível o progresso da cidade que irá impressionar Hermano Guimarães: “ruas bonitas, largas, bem tratadas, edifícios magníficos, boa iluminação, prédios riquíssimos de diversos estilos, respirando tudo asseio, gosto e luxo. Por  ser engenheiro, diz a autora, um entendido, admira sem se fartar, o monumento do Ipiranga, construído por  Bezzi, arquiteto italiano. Uma observação entusiasta – e as colunas de mármore branco e os arabescos, e os capitéis e as volutas e os florões – levando-o a concluir que os paulistas não olham despesas desde que possam por esse meio engrandecer o gigante torrão que lhes deu o berço.

          Na verdade, essas notas sobre o urbano são breves seqüências que não chegam a alterar o ritmo da narrativa mas a enriquecem num testemunho ficcional que, embora tenha algo de laudatório, não parece se afastar muito daquilo que foi o seu modelo. Talvez elas sejam o elo que prende a romancista à realidade pois Lutas do coração quer na elaboração de seus personagens, quer na descrição da paisagem se apresenta como ingênua idealização – e melhor ou pior já a haviam feitos os românticos – de um universo bem mais complexo e mais rude ao qual, neste primeiro romance, os olhos de Inês Sabino se fecharam.

           Daí ser imprescindível lembrar as palavras de Zahidé Lupinacci Muzart  no capitulo que lhe dedicou em Escritoras brasileiras do século XIX: Para bem avaliar as idéias de Inês Sabino, temos de situá-la em seu contexto: época, meio social, sobretudo, classe. Poderíamos cometer injustiças, atribuindo-lhe omissões e ausências que a sua inserção em acanhado meio não lhe permitiu.

            Sem dúvida, a publicação de Lutas do coração é o início de um caminho que poderá se revelar altamente enriquecedor  (sobretudo se forem vencidas as dificuldades de acesso aos outros textos da autora), não somente para o conhecimento da expressão feminina na Literatura Brasileira como para avaliar a sua contribuição na História das Idéias.


.

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário