A
primeira edição, de Jacinto Ribeiro Santos, Rio de Janeiro, é do ano de 1898: Lutas do coração que a Editora
Mulheres de Florianópolis e a EDUNISC de Santa Cruz do Sul publicaram no fim do
ano passado em modesta tiragem de quinhentos exemplares, certamente, preciosa
ao oferecer à leitura um romance que, somente está à disposição do público na
Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo, segundo consta em Escritoras Brasileiras do século XIX.
Inês
Sabino publicou seu primeiro livro de poemas, Rosas pálidas, em 1886, seguido,
logo no ano seguinte, por Impressões.
Depois, dedicou-se ao conto, a esboços biográficos que resultaram em Mulheres ilustres do Brasil e ao romance. O primeiro deles, Lutas do coração, é rotulado pela autora na dedicatória que faz ao marido e à
família como um modesto estudo de
psicologia. A ação do romance é, então, pretexto – diz Alberto Pimentel, o
prefaciador da obra – para o estudo da
alma nas cambiantes infinitas do sentimento humano. Acrescenta que em Lutas do coração, esse pretexto é a volta de Hermano Guimarães ao
Brasil após uma ausência de vinte anos passados na Europa. Por ele se apaixonam
três mulheres: sua ingênua prima Angelina, Madame Alencastro, filha de
viscondes, casada, (aos olhos daquele a quem ama, uma histérica ) e Ofélia, a mulher livre, mas considerada uma perdida,
pelas famílias de trato, embora fosse digna
e ilustrada. A ação se passa no Rio de Janeiro que, juntamente com São
Paulo, onde o personagem masculino permanece por cinco semanas, tem esboçadas
algumas de suas ruas. Mais precisamente, no Rio de Janeiro, a rua do Ouvidor,
tida pela autora como feia e estreita
mas, decididamente
a artéria do grande mundo, do grande tom, pelo luxo das suas vitrinas, lojas, armarinhos, cafés,
restaurantes, papelarias e redações [...]. E a rua do Hospício, agitada pelos que
entravam e saíam dos bancos, dos
escritórios, dos armazéns, do Correio, da Bolsa em meio ao movimento das
carroças e dos bondes, das carruagens e dos tilburis. Nela, já não mais o ponto
obrigatório de encontro da melhor sociedade do Rio de Janeiro e suas mulheres
elegantes e perfumadas mas, sob as árvores, mulheres turcas a venderem bugigangas
e nos quiosques, homens da plebe a
tomarem café e a comerem pão e laranja. No ar, risotas e ditos grosseiros. Intransitável pelo barro, quando chove, asfixiando pelo
pó que se levanta, quando faz sol nas Docas, os trapiches e os armazéns mal cheirosos
e sujos são o cenário da agitação dos que trabalham – sejam homens, sejam
animais – com as sacas de café, com as barricas e com os caixões. Uma agitação
que será maior em São Paulo, o empório do
grande comércio. Uma cidade onde a enorme
vida das fábricas, das lojas, dos hotéis, das livrarias tornam possível o
progresso da cidade que irá impressionar Hermano Guimarães: “ruas bonitas, largas, bem tratadas,
edifícios magníficos, boa iluminação,
prédios riquíssimos de diversos estilos, respirando tudo asseio, gosto e luxo. Por ser engenheiro, diz a autora, um entendido, admira sem se fartar, o monumento do Ipiranga,
construído por Bezzi, arquiteto
italiano. Uma observação entusiasta – e as colunas de mármore branco e os
arabescos, e os capitéis e as volutas e os florões – levando-o a concluir que os paulistas não olham despesas desde que
possam por esse meio engrandecer o gigante torrão que lhes deu o berço.
Na
verdade, essas notas sobre o urbano são breves seqüências que não chegam a alterar
o ritmo da narrativa mas a enriquecem num testemunho ficcional que, embora
tenha algo de laudatório, não parece se afastar muito daquilo que foi o seu
modelo. Talvez elas sejam o elo que prende a romancista à realidade pois Lutas do coração quer na elaboração de
seus personagens, quer na descrição da paisagem se apresenta como ingênua
idealização – e melhor ou pior já a haviam feitos os românticos – de um
universo bem mais complexo e mais rude ao qual, neste primeiro romance, os
olhos de Inês Sabino se fecharam.
Daí
ser imprescindível lembrar as palavras de Zahidé Lupinacci Muzart no capitulo que lhe dedicou em Escritoras brasileiras do século XIX: Para bem avaliar as idéias de Inês Sabino,
temos de situá-la em seu contexto: época, meio social, sobretudo, classe.
Poderíamos cometer injustiças, atribuindo-lhe omissões e ausências que a sua
inserção em acanhado meio não lhe permitiu.
Sem
dúvida, a publicação de Lutas do coração
é o início de um caminho que poderá se revelar altamente enriquecedor (sobretudo se forem vencidas as dificuldades
de acesso aos outros textos da autora), não somente para o conhecimento da
expressão feminina na Literatura Brasileira como para avaliar a sua
contribuição na História das Idéias.
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