Entendo que não há nada
mais ridículo do que desprezar-se o nosso idioma, sendo como é tão bonito, para
se falar outro qualquer. Inês Sabino, em 1898.
Consta que Inês Sabino escreveu dois romances: Alma
de artista e Lutas do coração. O primeiro, um romance histórico, citado no
Dicionário literário brasileiro de Raimundo de Menezes, não foi localizado pela
pesquisadora Zahidé Lupinacci Muzart, autora do texto que em Escritoras
brasileiras do século XIX trata da escritora baiana.
Inês Sabino publicou Lutas do coração aos quarenta e
cinco anos, depois de incursões pela poesia, pela narrativa curta e por uma
vasta contribuição em jornais. Este seu romance, que hoje é possível ler graças
à edição da Editora Mulheres de Florianópolis e EDUNISC de Santa Cruz do Sul,
se submete ao modelo literário orientado, apenas, para o harmonioso e para o
belo.Um ideário presente na criação de personagens (ricos e bem nascidos), nos
ambientes (sempre luxuosos) que frequentam e nas ociosidades (prazerosas) a que
se dedicam. Sobretudo, na escolha de seus
destinos pois a felicidade só irá reinar para aqueles que são submissos às normas sociais. No entanto, seus
textos não ficcionais (presentes em Escritoras brasileiras do século IX)
demonstram preocupações sobre o papel da mulher na sociedade, o poder de seu
talento quando pensa, lê, estuda e trabalha, o seu dever de combater os erros da sociedade e de ensinar,
pois o seu povo carece de severas lições. Preocupações que não a abandonam nas
suas páginas romanescas e a farão
pontilhar Lutas do coração de críticas e de reflexões onde transparece a visão
de mundo da mulher bem nascida, cuja vida se pauta por princípios bem definidos.
Por vezes, seu personagem masculino enuncia, brevemente, uma opinião: o nosso
mal é não termos patriotismo, E é numa terra como esta que desejam introduzir o
socialismo, bastante perde a arte dramática em não ter um teatro nacional, onde
surgissem culturas brasileiras compreendidas pelo vulgo e pelo meio culto.
Porém, com exceção da personagem feminina que circunstâncias dolorosas levam a
pensar não valer a vida inteira de um
homem, as mais das vezes, uma única hora sequer de dedicação da mais comum das mulheres,
as asserções sobre a condição feminina pertencem, sempre, ao dizer da
narradora. Mostra-se convicta de que à mulher sempre cabe o papel de mártir, de
escrava; que o seu espírito é mais suscetível às pequenas delicadezas; que
influencia a vida dos grandes homens; que no seu coração palpita a emoção
religiosa; que se for inteligente e culta pode formular qualquer idéia sem medo
de errar. E é, sem dúvida, para essas inteligentes e cultas que ela escreve:
essa leitora amada, essa leitora amiga, essas leitoras a quem se dirige,
desejando-as cúmplices como, também quando a ela se congrega ao usar a primeira
pessoa do plural nós as mulheres, julguemos por nós, calculemos, para quem nós
somos umas santas. Parece, então – tratar-se-ia
apenas de uma casualidade? – que os homens podem (ou a eles compete) se
pronunciar sobre patriotismo, cultura, política que são (ou devem ser) alheios ao
mundo feminino e que às mulheres cabe, tão somente, saber de si próprias. Uma
barreira que, talvez ou certamente, Inês Sabino tenha desejado romper. Em Lutas
do coração quem sabe não tenha ousado o suficiente mas iniciou uma aventura
que, levando-se em conta o seu meio e a sua época, possui muito mais e maiores
significados do que uma primeira leitura permita perceber.
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