domingo, 20 de fevereiro de 2000

A pluma que oscila

               Nas últimas páginas de Lutas do coração (Editora Mulheres, Florianópolis, 1999), Angelina, recém-casada, recebe da mãe os conselhos que deverão guiá-la na vida nova que inicia. As primeiras palavras, surpreendentes – A tua lua de mel é o introito do grande cenáculo, onde tu serás sacerdotisa – são seguidas de outras que parecem enunciar mudanças nas relações matrimoniais, dominadas pelo patriarcado: a mulher não deve ser ovelha mas tampouco, soberana indômita. No entanto, logo se enuncia uma clara indução a aceitar o papel de anjo da família. Angelina, ao se submeter a ele, será feliz. As outras duas mulheres, também movidas pela paixão, ao infringirem normas serão fadadas, uma ao abandono, outra à morte. Mas, as três, Angelina a moça casadoira, Matilde, a mulher casada em busca de aventura sentimental e Ofélia, considerada mundana, presas de seus sentimentos a eles se curvam e nada aspiram além da conquista do objeto desejado: Hermano Guimarães, um belo homem, solteiro e rico. Vendo-o indiferente a conversar com suas amigas no segredo do quarto, de mãos postas diante do seu retrato, grita o amor que sente. Humilhada, Matilde, a quem ele diz não querer enxovalhar por ser esposa de um amigo seu, fecha-se nos seus aposentos, planejando vingança. Desassossegada, insegura do amor que lhe é devotado quando vê o amado, no teatro, dar atenção a outra mulher,  voltando para  casa, Ofélia chora muito com o rosto oculto nos almofadões de linho, bordados. Ou seja, para as três mulheres o estar a sós, a intimidade do quarto permite o extravasamento de um sentir, enovelado na figura masculina cujo comportamento não será questionado. O envolvimento amoroso de Hermano Guimarães com a mulher que se permite amar livremente é tido por ele, mesmo sabendo que será pai, como fantasias de moço. Angelina, a noiva, após o despeito de sabê-lo envolvido com outros amores, cala e busca se fazer  adorada por ele; Ofélia, grávida, não se revolta ao ser preterida pela moça de família e para não perturbar o caminho da felicidade daquele que a abandonara, viaja para o exterior onde pretende educar o filho na veneração das virtudes do pai embora certa de que não dará ao filho nem nome, nem fortuna, nem afeto. Ao saber que será pai, Hermano Guimarães chora de emoção mas, em nenhum momento deseja agir fora dos parâmetros da época. Ele pensa que se o filho fosse nascido do seu consórcio com Angelina, o nascimento teria oficial participação, mas no caso desse filho extra matrimonial com Ofélia, não. A narradora inicia, então, um texto em que proclama o amor paterno  onde mescla alguns conceitos sobre os filhos ilegítimos: um filho embora  natural é sempre um filho; inocente, o filho natural também tem direito à progenitura; por que desprezar ou desdenhar o filho natural se é apenas vítima dos amores levianos de seus pais?; o filho abençoa o pai quando ele reconhece a falta e lhe concede na sociedade o lugar que merece. Conceitos  inovadores para a época e que, parece, devem permanecer à margem, esperando que alguém os admita enquanto a sociedade continua a se mover regida pelas suas leis e pelos seus rituais. É o que parece pregar Inês Sabino neste seu romance, publicado pela primeira vez em 1898, ainda que, por vezes, muito brevemente, apareça um desejo de vislumbrar outras certezas. 
 

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