Nas
últimas páginas de Lutas do coração (Editora Mulheres, Florianópolis, 1999),
Angelina, recém-casada, recebe da mãe os conselhos que deverão guiá-la na vida
nova que inicia. As primeiras palavras, surpreendentes – A tua lua de mel é o
introito do grande cenáculo, onde tu serás sacerdotisa – são seguidas de outras
que parecem enunciar mudanças nas relações matrimoniais, dominadas pelo patriarcado:
a mulher não deve ser ovelha mas tampouco, soberana indômita. No entanto, logo
se enuncia uma clara indução a aceitar o papel de anjo da família. Angelina, ao
se submeter a ele, será feliz. As outras duas mulheres, também movidas pela
paixão, ao infringirem normas serão fadadas, uma ao abandono, outra à morte.
Mas, as três, Angelina a moça casadoira, Matilde, a mulher casada em busca de
aventura sentimental e Ofélia, considerada mundana, presas de seus sentimentos
a eles se curvam e nada aspiram além da conquista do objeto desejado: Hermano
Guimarães, um belo homem, solteiro e rico. Vendo-o indiferente a conversar com
suas amigas no segredo do quarto, de mãos postas diante do seu retrato, grita o
amor que sente. Humilhada, Matilde, a quem ele diz não querer enxovalhar por
ser esposa de um amigo seu, fecha-se nos seus aposentos, planejando vingança.
Desassossegada, insegura do amor que lhe é devotado quando vê o amado, no
teatro, dar atenção a outra mulher, voltando
para casa, Ofélia chora muito com o
rosto oculto nos almofadões de linho, bordados. Ou seja, para as três mulheres
o estar a sós, a intimidade do quarto permite o extravasamento de um sentir,
enovelado na figura masculina cujo comportamento não será questionado. O
envolvimento amoroso de Hermano Guimarães com a mulher que se permite amar
livremente é tido por ele, mesmo sabendo que será pai, como fantasias de moço.
Angelina, a noiva, após o despeito de sabê-lo envolvido com outros amores, cala
e busca se fazer adorada por ele;
Ofélia, grávida, não se revolta ao ser preterida pela moça de família e para
não perturbar o caminho da felicidade daquele que a abandonara, viaja para o
exterior onde pretende educar o filho na veneração das virtudes do pai embora
certa de que não dará ao filho nem nome, nem fortuna, nem afeto. Ao saber que
será pai, Hermano Guimarães chora de emoção mas, em nenhum momento deseja agir
fora dos parâmetros da época. Ele pensa que se o filho fosse nascido do seu
consórcio com Angelina, o nascimento teria oficial participação, mas no caso
desse filho extra matrimonial com Ofélia, não. A narradora inicia, então, um
texto em que proclama o amor paterno
onde mescla alguns conceitos sobre os filhos ilegítimos: um filho embora natural é sempre um filho; inocente, o filho
natural também tem direito à progenitura; por que desprezar ou desdenhar o
filho natural se é apenas vítima dos amores levianos de seus pais?; o filho
abençoa o pai quando ele reconhece a falta e lhe concede na sociedade o lugar
que merece. Conceitos inovadores para a
época e que, parece, devem permanecer à margem, esperando que alguém os admita
enquanto a sociedade continua a se mover regida pelas suas leis e pelos seus
rituais. É o que parece pregar Inês Sabino neste seu romance, publicado pela
primeira vez em 1898, ainda que, por vezes, muito brevemente, apareça um desejo
de vislumbrar outras certezas.

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