Os
gatos, as adolescentes...
Os
gatos, as adolescentes, os álamos
compensam
a feia rigidez do mundo
porque
tudo quanto é mecânico é rígido,
mesmo
que seja um auto na mais fittipaldiana disparada.
Ah!
Não esqueçam também o vôo de uma ave
- se ainda sobrou alguma.
“Caderno H”. Mário Quintana.
No
dia 22 de março de 1975, o “Caderno de Sábado” do Correio do Povo de Porto
Alegre, publicava sob a rubrica “Do Caderno H”, um texto de Mário Quintana. Um
breve texto que se termina com um amistoso e cordial conselho: “Deixemos, pois,
o Ano Dois Mil chegar, imperceptivelmente como um ano qualquer”. As palavras
que o antecedem, explicam essa suprema expressão de bom senso de alguém, cuja
visão de mundo difere, quase sempre, daquela que é comum à maioria dos que o
rodeiam ou à maioria, simplesmente. Primeiro,
Mário Quintana se admira “de toda essa preocupação com o ano 2000”. E, conclui
que deve ser ela devida à antiga mania ou superstição do número redondo. Lembra
que nos idos tempos que antecederam ao ano Mil, já alguns pretendiam que seria
o fim do mundo. Cuidado não descartado nesta passagem para o ano 2000 em que surgiram
cruéis dúvidas sobre eventual comportamento dos computadores responsáveis pelos
arsenais da grande potência que hoje controla, senão a todos, pelo menos a
quase todos os viventes deste pobre Mundo. Um mundo que se diria exangue, falto
de idéias e de ações que tivessem como escolha primeira e pão e água e ar para
todos, mas que ninguém deseja que desapareça.
Há
vinte e cinco anos atrás, talvez não tivessem, ainda, chegado ao Brasil essas
preocupações de um fim de mundo precoce, originado de uma imprevista
ingenuidade das máquinas mas,
certamente, grassariam as inquietações que sempre se apoderaram dos humanos pois
o Poeta comenta que uma das que chama de “ incansáveis entrevistadoras”
foi lhe perguntar se estamos “no fim de
uma era”. Estranha ser assim questionado, pois reconhece não ser nenhum
Nostradamus. Todavia, não foge da pergunta e enuncia um vaticínio: “nunca se
saberá, nunca se notará, nunca se verá o fim de coisa nenhuma”. Palavras que,
dir-se-ia, contradizem a melancólica asserção, contida nos dois últimos versos
de um poema, “Os gatos, as adolescentes...”, publicado uma semana antes. Neles,
Mário Quintana questiona – não terão
sido todas dizimadas? – a existência das aves. Seu verso “Se ainda sobrou
alguma” é uma incerteza em prosaica e
angustiada expressão de medo. Medo que se torne, efetivamente real o que ironiza como passível de acontecer num
mundo de feiura e rigidez. Assim, ao contrapor a um mundo sem beleza e sem
nuanças “os gatos, as adolescentes, os álamos”, se dirige a eventuais
interlocutores para sugerir que “não esqueçam também o vôo de uma ave”. Uma
recomendação que se insinua despretenciosamente coloquial para se adensar na
sugestão poética expressa nas palavras “vôo de uma ave” que a ressalva do verso
final “se ainda sobrou alguma”, torna uma ameaçadora profecia.
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