domingo, 26 de dezembro de 1999

O pai. 2


          Juan Carvajo é um dos personagens de Maluco romance do uruguaio Napoléon Baccino Ponce de León. Prêmio Casa de las Américas 1989, foi publicado pela Seix Barral de Barcelona no ano seguinte e, no Brasil, pela Companhia das Letras, em 1992. É o resultado da viagem de Fernando de Magalhães ao redor da Terra, contada pelo bufão da armada, Felipillo Ponce, em carta ao rei Carlos V da Espanha, solicitando uma pensão pelos serviços prestados, pois, no seu entender, fez com suas graças tanto pela empresa como o próprio Capitão Geral com sua obstinação. Inicia a narrativa, após se apresentar como um velho que perdeu a arte de levar ao riso, com a partida dos cinco navios, cinco negras naves, abrindo-se passo, pressurosas, para os confins do mundo conhecido e mais além. Ele quer que seja do conhecimento do soberano, os muitos prodígios que assistiu, as muitas dores e as grandes fomes que sofreu junto com esses duzentos e trinta e sete que se embarcaram na grande aventura do desconhecido. Em alguns deles, se detém ou fixando-lhes os traços ou adivinhando-lhes a alma. E, embora, por vezes, sejam presenças efêmeras, o seu narrar lhes confere a força dos grandes perfis romanescos. Assim, a figura de Juan Carvajo. Raras vezes é mencionado em tarefas de bordo mas, com emoção, para dizer do amor que sente pelo filho, um menino de tez escura, de menos de doze anos que o acompanha na viagem e que ele trata de Hijito. Prodiga-lhe cuidados maternais e está sempre pronto a satisfazer-lhe os gostos e a lhe evitar contrariedades. Hijito  era a luz de seus olhos, o sol que lhe esquentava a vida, a chuva que lhe aplacava a sede [...]. Não se separavam nunca, nem por um instante. Estas palavras do narrador são antecedidas de outras, prenúncio  do que irá acontecer ao menino: um destino funesto que somente será conhecido quase duzentas páginas adiante, quando a narrativa se aproxima de seu final.

          A esquadra ancora diante de Zubu onde os enviados dos ibéricos foram bem recebidos e convidados a desembarcar. O rei aquiesce a todos os desejos de Fernando de Magalhães que, para provar sua força e legitimar assim a dependência do Rei como vassalo da Espanha, se propõe castigar os habitantes de uma aldeia vizinha que nega pagar tributo a seu hospedeiro.

            No ataque, travado ao amanhecer, os ibéricos são dizimados em pouco tempo e batem em retirada, refugiando-se nos navios onde irão velar os seus mortos para, depois, enterrá-los na costa, perto da cruz que ali recém haviam colocado,  expressão da conquista dessas terras distantes. Quebrando o silêncio as tristes clarinadas e os furiosos guinchos dos macacos.   O  capelão benze as sepulturas que a terra jogada sobre elas enche de sombras. O sol ilumina a manhã e não mais os que foram mortos e enterrados. Vinte  e quatro oficiais irão aceitar o convite do rei no intuito de saber o lugar das especiarias que tanto buscam. Os demais voltam ao navio e alguém dá as ordens de partida. O barco se move em direção à terra, a artilharia disparando, O vento sopra forte e com as velas abertas e muito rápido, vão deixando para trás os despojos, as palmeiras e as casas. Também a Hijito .

               No barco, Juan Carvajo corre, desesperado, em busca do filho. Alguém lembra tê-lo visto, nas areias da praia, entretido com o barco de brinquedo que o pai lhe fizera..

            A narrativa do bufão continua. Do sofrimento de Juan Carvajo e de seu filho, agora separados  pelas águas do mar, nada mais será dito.

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