domingo, 5 de dezembro de 1999

A terra.


                                                                       defende
                                                                       nosso amor, minha alma.
                                                                       Eu o entrego para ti como se deixasse
                                                                       um punhado de terra com sementes.
 

          Los versos del capitán é um pequeno livro de poemas que veio à luz, em Nápoles, no ano de 1952, numa edição artesanal de escassos exemplares, feita por um amigo de Pablo Neruda e se inscreve, inteiro, no amor que o poeta dedicou a Matilde Urrutia. Um sentimento que se expressa, entrelaçado a esse outro, norteador de um viver comprometido com o homem do Continente, na linguagem que lhe é tão própria, onde os elementos – água, vento, sol, chuva, flor, fruto – oferecem um testemunho de vida que irá, freqüentemente, se enovelar, na palavra terra.

Terra, querendo dizer distância, querendo dizer imensidão. Terra, significando origem e destino, desejo de chegada. Terra, lugar de abrigo onde recomeçar a vida; pátria, incitando à luta. Alguma vez, ao redor dessa acepção, um pouco de mágoa se insinua: Minha luta é árdua e volto/ com os olhos cansados/ as vezes de ter visto / a terra que não muda. Mas, também,  por vezes, a acompanha uma louca esperança: caminhando, abrindo amplas estradas contra a sombra, fazendo / a terra suave, repartindo/ estrela para os que chegam. Inabalável certeza deste ofício que o faz acreditar ser sua voz escutada nas margens de todas as terras e que se mescla ao sentir de se saber mais próximo da terra, de se saber parte dela, de percebê-la junto com a mulher amada. Assim, no poema “8 de septiembre”. Inigualável canto ao ato amoroso. As palavras se acrescentam para delineá-lo, mas é num pequeno verso hoje foi a terra inteira” que está sintetizado o imenso da emoção.   

          E, perfeita e acabada expressão do anseio telúrico, presente em todo o livro, o primeiro poema da quarta parte.  Nele se fundem a presença do corpo feminino e os frutos e os aromas e toda uma gama de imagens se sucede para dizer desse amálgama entre os amantes que o poeta canta e torna a cantar. E a palavra terra desponta para marcar o tempo (por anos e por viagens, por luas e sóis e terra e choro e chuva e alegria), para mostrar um renascer que irrompe (como à terra seca a água traz germinações que não conhecia), para exprimir uma identificação com a amada,  (torno a ser contigo a terra que tu es), identificação que estará na origem de um como que esquecido emergir para a vida: torno a saber em ti como germino. Essa assunção de algo que é próprio do vegetal, o germinar, deixa claramente perceber, ainda uma vez, a relação de Pablo Neruda com a terra. Uma relação profunda e sem medida, feita de nuanças – e as cinqüenta vezes que a palavra aparece nesse livro de poemas são disso a prova -  surpreendentes e iluminadas, testemunhas de sua inconfundível maestria na arte de poetar.

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