domingo, 28 de novembro de 1999

Aventureiros.


          Um grande número de trabalhos, ao longo dos anos, se ocupou de Radiografia de la pampa. Publicado, em 1933, pela Babel de Buenos Aires, esse magnífico ensaio – tido, hoje, como um dos mais valiosos, num Continente que não cultiva o gênero – não foi bem recebido pelo público ao qual se destinava. Seu autor, o argentino Ezequiel Martínez Estrada, tinha, então, quarenta anos e se iniciara na Literatura, exatamente, com um ensaio, “Tesoros velados”,  que apareceu na revista Nosotros, dezesseis anos antes. Embora tenha se expressado em diversos gêneros, Radiografia de la pampa se constitui, no conjunto de sua  obra, um momento decisivo. Ele mesmo assim o considera e, num texto de 1964, afirma que, ao escrevê-la, deixou para trás o que, eventualmente, chamaria de adolescência mental ao aprofundar o seu testemunho de inconformismo em relação à História da Argentina e da América. São seis capítulos, cada um feito de três partes. Do primeiro, “Trapalanda” (termo que significa território legendário e maravilhoso) fazem parte “Os rumos da bússola”, “A época do couro”, “Os caminhos”.

          “Os rumos da bússola”, por sua vez, é composto de oito partes e trata da chegada dos ibéricos ao Novo Mundo. Sugestivo, então, o texto que os encabeça : “Os aventureiros”. Assim são designados por Ezequiel Martínez Estrada os que chegaram para o mundo recém descoberto. Deles, reconstrói a condição sócio econômica precária em que viviam, na Espanha, e que os fazia buscar o oceano para fugir da realidade na qual se inscreviam o fidalgo empobrecido, o artesão sem pão, o soldado sem contrato, o mendigo e o pároco de uma terra sem milagres. Homens que, vindos da pobreza, não traziam para as novas terras quaisquer ideais. Não desejavam colonizar ou povoar, construir, plantar, se enraizar. Queriam, sim, a conquista e o domínio e a riqueza. Mas, sem despender esforços porque trabalhar significava ser vencido. E o velho procedimento ibérico, baseado no ter ou não ter, se instalou no Novo Mundo. Diz o ensaísta que, assim, nas terras da América recomeçou o antigo viciado círculo, dominado por uma ética canhestra: mais honroso do que levantar um muro era traficar com escravos e roubar, sempre melhor do que trabalhar. Procedimentos endossados por velhas fórmulas ocas de instituições que decidiam de leis e de condutas, feitas para a defesa de interesses de alguns e quase sempre escusos..

          E o Novo Mundo, ainda sem um lugar definido no Planeta, ainda sem uma forma conhecida que o distinguisse, foi se submetendo, ainda que à revelia de suas leis naturais de seus habitantes, ao modelo alienígena  dos assim ditos civilizados e que não lhes dizia respeito.
         
          Ezequiel Martínez Estrada, na análise das razões e dos motivos que trouxeram os ibéricos para a América, não encontra heróis. Apenas aventureiros que chegaram somente para exigir regalias. E a qualquer preço.

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