Publicado
no ano de 1897, em Lisboa, A viúva
Simões aparece, agora, em co-edição da editora Mulheres e Edunisc da Universidade de Santa Cruz do
Sul. É o terceiro romance de Júlia Lopes
de Almeida: pequena obra prima do Realismo no Brasil, uma história que se
inscreve, em dois momentos, muito precisos, da vida de Ernestina, a viúva
Simões. O momento em que lê no jornal a volta de Luciano Dias ao Rio de
Janeiro, vindo da França e aquele em que acompanha, com os olhos, o navio que o
está levando de volta à Europa. Entre esse tempo bem definido, o renascer de
sua paixão por ele, as esperanças de felicidade que lhe povoam a alma e a tragédia
que esse amor provoca, se abatendo sobre ela e sobre sua filha Sara.
Como
cenário, sobretudo, o espaço familiar, um bonito
chalet a lhe merecer todos os cuidados, assim como o jardim, o pomar, a
horta, o galinheiro, administrados com exagerados escrúpulos para não
desmerecer do conceito que adquirira: uma dona de casa exemplar. Ele se encrava
no morro de Santa Teresa e de suas janelas, o encanto da montanha, do casario
espalhado com seus muros brancos, do mar ao longe, das fortalezas Santa Cruz e
da Lage, do Pão de Açucar. Mais adiante, o outeiro da Glória com sua igreja
branca e pitoresca e as ruas elegantes do bairro do Catete. Cenário maior,
a cidade, um Rio de Janeiro ainda pleno de poesia, se esboça na descrição de
uma rua, na relação de seus tipos populares, nas rápidas notas, entremeadas ao
drama vivido pelos personagens. Principalmente, na sua paisagem.
Ao
longo da narrativa, interrompendo-lhe o ritmo, ela vai aparecer em breves
seqüências que desenham uma natureza vibrante e tropical: é o dia formoso de um
azul
violeta muito intenso. É a manhã
gloriosa, a luz dourada, o céu azul. É o mar que sob a luz tremula em ouro, em
rosas, em sombras violáceas. É o ar leve, inundando
de luz. São as cores das flores, pétalas
solferinas, azaléias brancas, rosas, o verde das avencas e das parasitas de
formas artisticamente rebeldes e fantásticas, e o vermelho do cróton, a alvura
faiscante da areia.
E
todo um mundo de frutos e flores se mostra na cena em que Sara, ao surpreender
uma cena para ela incompreensível, a mãe, recebendo, cordialmente em casa, o
maior inimigo de seu pai quando vivo. Indignada, fica sem fala e sai para o
jardim, tonta e trêmula. Aos poucos,
a dor se mostra e Sara inicia o ritual da destruição: esmaga as flores com os
pés, e miosótis e malvas-maçãs, junquilhos, amores perfeitos, violetas, cravos,
anêmonas, nardos assim perecem, tristes e inglórios. Fustiga as plantas e
pétalas de rosas, hibiscos, dálias, lírios, jasmins se espalham pelo chão.
Arranca as frutas e são laranjas verdes, araçás, jambos e pitangas, jogados por
terra. Sacode as árvores e desfolha os galhos. Gestos desesperados e
incontroláveis que o relato entrelaça a uma exuberância de primavera como para
amainar a crueldade de fazer do jardim e do pomar, as vítimas de sua raiva
infantil e impotente.
Sem
dúvida, um recurso formal sumamente sugestivo, espécie de síntese da opção
estética da romancista.. Como a breve
pausa que antecede as três linhas finais do romance – O tempo estava esplêndido, de um azul glorioso, o mar desenrolava o seu
manto, sem rugas, com uma serenidade
de sonho, e as flores desabrochavam numa alegre ansiedade de luz e de vida,
perfumando tudo... – antes que se confirme o triste destino ao qual a
mãe e a filha foram destinadas. Expressões a dizer do olhar luminoso com
que Júlia Lopes de Almeida olha para um
mundo que também é feito de sofrimentos.
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