domingo, 14 de novembro de 1999

Já era assim.


           Foi um momento de muitas dúvidas, oriundas de um após-guerra que, revelando o holocausto, fez dos homens vítimas da solidão e do cepticismo. Na Literatura, aconteceu a busca de uma expressão que traduzisse as incertezas e o caos reinantes e, então, novos procedimentos narrativos surgiram: e o monólogo interior e o fluxo da consciência e o rompimento das noções temporais e espaciais e a técnica da “collage” e os matizes e os tons de uma linguagem perseguindo registros inusuais. Para Augustín Yáñez, foi o tempo certo de se lançar na grande aventura de um romance que abandonasse caminhos já trilhados e temas já conhecidos para, investigando as raízes profundas de seu país, elaborar uma narrativa  de caracter nacional. Deixando para trás os relatos curtos e os contos, publica, em 1947, Al filo del agua, obra que será considerada um marco na Literatura mexicana pelas inovações que aporta ao romance. Não somente ao usar recursos narrativos até então inexplorados pelos seus antecessores, como por colocar em questão a submissão religiosa, a tradição ultrapassada e asfixiante, os valores de uma sociedade conservadora. Ao descrever uma pequena cidade do interior do México, se ocupando de seus habitantes é como se o país inteiro fosse mostrado, sem disfarces, na construção freudiana de seus personagens, na religião a funcionar como elemento estruturante e  fundamental do relato, na firmeza com que emergem os elementos de crítica social.

          Ao longo de seus anos e de seus escritos, Augustín  Yáñez teve sempre o México presente e retratá-lo, nesse romance, significou, para ele, questionar uma realidade que acreditava deveria ser transformada. E o faz, servindo-se de recursos narrativos que, se eludem o dogmático, nem por isso deixam de, claramente, evidenciar as mazelas do país. Um país que a voz do povo lamenta estar tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos. Perto o suficiente para, entre outras coisas, exercer uma atração cuja força obnubila com facilidade todo aquele que sabe ser de pobrezas o seu destino e dele quer eximir-se.

          Assim, em dois momentos do romance, se delineia esse auto exílio que é a ida dos mexicanos para os Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida.

           Logo no início do primeiro capítulo, Dom Timoteo Limón,  pequeno proprietário rural entre rezas e preocupações e lembranças que o impedem de dormir, pensa no seu filho primogênito, Damian. Há cinco anos, ele partira para o que seu pai chama de maldito Norte, tentando fazer fortuna. É uma ausência doída e que faz medo. E o pai só deseja que ele não se afaste de Deus, não ande em más companhias; que não lhe caia em cima um fio de eletricidade, que não o machuque um trem ou um gringo e que não tenha pleitos com as autoridades pois acredita serem elas terríveis  ao lembrar-se dos que foram e não voltaram: um, acabado na cadeira elétrica, outro, condenado a noventa anos de prisão. Mais os que foram assassinados a tiros ou caíram dos andaimes ou morreram envenenados nos hospitais. Ou, simplesmente, desapareceram. Mais adiante, todo um capítulo, “Los norteños”, é dedicado aos que voltando do Norte, chegam, na opinião da maioria, conspurcados. Então, no povoado, não chegam a saber o que é pior, se a ausência ou o regresso. Porque  os que voltam já não se sentem bem na sua terra, passam a dar mau exemplo ao fazer troça dos valores de seu país, incitam à partida, falam, entremeando o dizer com palavras de outra língua embora voltem tão analfabetos como quando foram. E são tidos por traidores a serviço dos gringos, antecipando-se para ajudá-los a roubar o que ainda resta desse México do qual não puderam se apossar por força das guerras e dos tratados, nos anos idos.

          Depois dessas vozes anônimas, o discurso de Damian, que enfim voltou, a seu pai, querendo convencê-lo das verdades que assumiu, vivendo no Norte e das vantagens de uma vida mais cômoda e mais livre. Daí, a sua convicção de que é preferível que os gringos venham ao México, pois, assim, os mexicanos passarão a viver melhor.             

                      Certamente, uma utopia. Porque não parece ser de praxe que o colonizador permita regalias – e isto de viver bem, nos países de Terceiro Mundo, é, sem dúvida, uma regalia – aos seus colonizados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário