domingo, 5 de setembro de 1999

As desbravadoras.

          Não havia escolas e as poucas existentes eram freqüentadas por meninos. Idéias errôneas sobre a atuação feminina fora  do ambiente recluso do lar, eram muitas.  Ainda, assim, aconteceu que mulheres se dispusessem a escrever e, embora esquecidas ou ignoradas pela crítica, deixaram suas palavras impressas.

          Organizado por Zahidé Lupinacci Muzart, o volume Escritoras Brasileiras do Século XIX, publicado neste ano pela Editora Mulheres de Florianópolis e Edunisc de Santa Cruz do Sul as resgata do olvido. Ao todo são cinqüenta e duas. Segundo esclarece a organizadora, ao apresentar os critérios que nortearam o trabalho, houve intenção de tratar as escritoras de todos os estados brasileiros o que, no entanto, não pode ser feito por falta de material.  Assim, presentes no volume, sobressaem em número, as do Rio Grande do Sul, Bahía e Rio de Janeiro. Nascida no  Paraná, apenas Júlia da Costa mas, como a partir dos dez anos, quando lhe morreu o pai, até o fim da vida, residisse em São Francisco do Sul, terra natal da mãe, foi incluída entre os escritores catarinenses. No dizer de Zahidé Lupinacci  Muzart, ela se antecipou à sua época. Evidentemente, sofrimentos não lhe foram poupados na pequena cidade em que passou os seus dias e sua  obra foi disso uma expressão como  também para tantas outras mulheres escritoras que fazem parte do volume. Algumas, porém, pretenderam ir além de seus  devaneios e de seus  parcos horizontes e se expuseram num dizer reivindicatório  verdadeiramente desbravador.

          Entre elas, as que se posicionaram politicamente como republicanas, abolicionistas ou contra os farroupilhas da Guerra dos Farrapos. Outras, que desvendaram suas ânsias secretas. Ainda, as que defenderam a liberdade da mulher, o direito ao voto, o direito à palavra e mais ainda, o direito de pensar. Isto,  na verdade, em síntese, nada mais  é do que  o direito à educação, pregado, com ênfase, sobre tudo por Nísia Floresta Brasileira Augusta.Também, as que discutem a soit disant   superioridade masculina e a emancipação feminina  cuja voz uma das primeiras e mais fortes pronunciada no Brasil, no século passado, foi a de Josefina Alvares de Azevedo.

           Com freqüência,  esse desejar dizer obrigou-as a enfrentar preconceitos  e, então, se esconderam sob pseudônimos – se resguardavam de possíveis ataques - mas não  se calaram. E, aceitas ou não,  escreveram poemas, contos, crônicas, artigos, peças de teatro. Trataram do amor e da vida, dos desacertos, dos sonhos, das ilusões, das tristezas e saudades. Fundaram jornais, criaram escolas, ditaram conferências.

            Muito bem escritas, são mais de novecentas páginas sobre elas num  documentado trabalho.   Resultante de um projeto de pesquisa, integrado pelas Universidades Federal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e  pela Fundação Casa de Rui Barbosa,  seu valor  não está apenas   no estudo das figuras femininas das Letras brasileiras do século passado e na reprodução de alguns de seus textos. Também, no possibilitar, com a bibliografia que acompanha cada um dos estudos,  novas aproximações  às escritoras e suas obras. O assunto é deveras instigante e  se prestará à pesquisas  que, ao aprofundar um tema nacional onde há, ainda, muito o que explorar será de um irrefutável mérito até porque, num país em que a atração do alienígena impregna também, muitas vezes, a Universidade, orientando pesquisas que pouco tem a ver com os seus interesses, é extremamente valioso  um trabalho  voltado  para as suas origens.

             Considerando as distâncias a serem vencidas pela dimensão do país, os conhecidos empecilhos e obstáculos a se anteporem a esforços dessa natureza, o resultado a que chegou Zahidé  Lupinaci  Muzart e sua equipe  é, sem dúvida, surpreendente. Não apenas louvável, como um exemplo a ser seguido.

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