Não havia escolas e as poucas
existentes eram freqüentadas por meninos. Idéias errôneas sobre a atuação
feminina fora do ambiente recluso do
lar, eram muitas. Ainda, assim,
aconteceu que mulheres se dispusessem a escrever e, embora esquecidas ou
ignoradas pela crítica, deixaram suas palavras impressas.
Organizado por Zahidé Lupinacci Muzart, o
volume Escritoras Brasileiras do Século XIX, publicado neste ano pela
Editora Mulheres de Florianópolis e Edunisc de Santa Cruz do Sul as resgata do
olvido. Ao todo são cinqüenta e duas. Segundo esclarece a organizadora, ao
apresentar os critérios que nortearam o trabalho, houve intenção de tratar as
escritoras de todos os estados brasileiros o que, no entanto, não pode ser
feito por falta de material. Assim,
presentes no volume, sobressaem em número, as do Rio Grande do Sul, Bahía e Rio
de Janeiro. Nascida no Paraná, apenas
Júlia da Costa mas, como a partir dos dez anos, quando lhe morreu o pai, até o
fim da vida, residisse em São Francisco do Sul, terra natal da mãe, foi
incluída entre os escritores catarinenses. No dizer de Zahidé Lupinacci Muzart, ela se antecipou à sua época. Evidentemente, sofrimentos não lhe foram
poupados na pequena cidade em que passou os seus dias e sua obra foi disso uma expressão como também para tantas outras mulheres escritoras
que fazem parte do volume. Algumas, porém, pretenderam ir além de seus devaneios e de seus parcos horizontes e se expuseram num dizer
reivindicatório verdadeiramente
desbravador.
Entre
elas, as que se posicionaram politicamente como republicanas, abolicionistas ou
contra os farroupilhas da Guerra dos Farrapos. Outras, que desvendaram suas
ânsias secretas. Ainda, as que defenderam a
liberdade da mulher, o direito ao voto, o direito à palavra e mais ainda, o direito de pensar. Isto, na verdade, em síntese, nada mais é do que
o direito à educação, pregado, com ênfase, sobre tudo por Nísia Floresta
Brasileira Augusta.Também, as que discutem a soit disant superioridade
masculina e a emancipação feminina cuja
voz uma das primeiras e mais fortes pronunciada no Brasil, no século passado,
foi a de Josefina Alvares de Azevedo.
Com
freqüência, esse desejar dizer
obrigou-as a enfrentar preconceitos e,
então, se esconderam sob pseudônimos – se resguardavam de possíveis ataques -
mas não se calaram. E, aceitas ou
não, escreveram poemas, contos,
crônicas, artigos, peças de teatro. Trataram do amor e da vida, dos desacertos,
dos sonhos, das ilusões, das tristezas e saudades. Fundaram jornais, criaram
escolas, ditaram conferências.
Muito
bem escritas, são mais de novecentas páginas sobre elas num documentado trabalho. Resultante de um projeto de pesquisa,
integrado pelas Universidades Federal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina
e pela Fundação Casa de Rui
Barbosa, seu valor não está apenas no estudo das figuras femininas das Letras
brasileiras do século passado e na reprodução de alguns de seus textos. Também,
no possibilitar, com a bibliografia que acompanha cada um dos estudos, novas aproximações às escritoras e suas obras. O assunto é
deveras instigante e se prestará à
pesquisas que, ao aprofundar um tema
nacional onde há, ainda, muito o que explorar será de um irrefutável mérito até
porque, num país em que a atração do alienígena impregna também, muitas vezes,
a Universidade, orientando pesquisas que pouco tem a ver com os seus
interesses, é extremamente valioso um
trabalho voltado para as suas origens.
Considerando
as distâncias a serem vencidas pela dimensão do país, os conhecidos empecilhos
e obstáculos a se anteporem a esforços dessa natureza, o resultado a que chegou
Zahidé Lupinaci Muzart e sua equipe é, sem dúvida, surpreendente. Não apenas
louvável, como um exemplo a ser seguido.
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