Elas
ensinaram e criaram escolas num momento em que a sociedade era regida,
exclusivamente, pela vontade masculina. Por vezes, sofreram perseguições
políticas ou foram criticadas ou caluniadas. Mas, não somente se mostraram
capazes de superar empecilhos, oriundos da mediocridade das idéias feitas, como
abriram caminhos: o primeiro curso
noturno de alfabetização de adultos, a primeira escola mista gratuita para
crianças, a primeira profissionalização
como jornalista, a criação de um método próprio para as escolas maternais, o
estabelecimento de creches, a preconização da ginástica desde os sete anos. E,
servindo-se da palavra, se antepuseram, de muito, a seu tempo. Entre as
cinqüenta e duas mulheres escritoras que fazem parte do volume Escritoras brasileiras do século XIX
(Editora Mulheres de Florianópolis e EDUNISC de Santa Cruz do Sul, 1999),
encontram-se Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada a primeira
feminista do Brasil, autora do livro Direito das mulheres e injustiças dos
homens que trata do Direito da mulher à instrução e ao trabalho (Recife,
1932) e Maria Firmina dos Reis, autora de
Úrsula, (São Luiz, 1859), o romance brasileiro
que, antes de todos, tratou da Abolição
da Escravatura. Ambas, como as demais
(ao todo são quinze), se dedicaram ao
ensino e ao ofício de escrever: peças
pedagógicas, poemas, contos, romances e páginas que advogam o direito da mulher
à educação.
Nascida
em 1847, em Porto Alegre, Luciana Maria de Abreu, conclui o curso de magistério e logo, no ano seguinte,
inicia a sua carreira cuja atuação, diz Rita Terezinha Schmidt que assina em Escritoras brasileiras do século XIX o
estudo que lhe é dedicado, se destaca “pela coragem com que abordava questões
sociais, principalmente a referente ao direito da mulher à educação”. Se, como
diz, ainda, a articulista, ela não deixou de ser vista “sem desconfiança e
inquietação por uma sociedade monárquica e provinciana, eivada de preconceitos
e restrições quanto ao papel da mulher no contexto social”, ao se mostrar
uma “pioneira e reformista”, foi
reconhecida por “figuras de projeção no meio intelectual da época”. José Antonio
do Vale Caldre e Fião, autor de A divina pastora (1847) e Enciclopédia dos conhecimentos úteis 1849),
quando Presidente do “Partenon Literário” a convida para figurar entre seus
oradores. Três dos discursos que proferiu, publicados pela Revista Partenon Literário, apareceram,
em 1949, em Preleções com prefácio e
estudos de Dante de Laytano. Desse volume que saiu sob a chancela do Museu
Júlio de Castilhos de Porto Alegre, foram tirados os excertos que ilustram o
texto de Rita Terezinha Schmidt.
O
discurso “A educação das mães de família”, Luciana Maria de Abreu o inicia,
prudentemente, com expressões de humildade: “eu fraca mulher”, “sem título
algum que autorize minha presença aqui” e, logo mais adiante, “pouco abusarei
de vossa complacente atenção”. Porém,
não se intimida ao relacionar os preconceitos presentes nas relações entre os
sexos que estão na origem das calúnias e das conviccões que as rotulam de inconstantes, mesquinhas, desrespeitadoras
de seus deveres, incapazes de grandes cometimentos e de grandes ações, apenas
destinadas a ser “meros instrumentos do prazer e das conveniências do homem”.
E, assim, condenadas à ignorância, privadas dos direitos dos cidadãos.
Argumenta que é do ensino feminino que se fazem ös mais perfeitos heróis da
humanidade”, que é a mulher a preparadora do coração de seus filhos para a
virtude e para o amor ao progresso e à liberdade. E, ao se mostrar vulnerável,
passível dos defeitos que lhe atribuem – frívola, descuidada, pretenciosa,
submissa - tal se deve à educação
recebida que lhes nega o direito de pensar. Então pede, em nome das
mulheres o direito à instrução superior, à liberdade de se instruir, de exercer
as profissões para as quais tenham aptidões. Consciente de que lhes compete um
papel na sociedade, não se exime de lembrar àquelas a quem se dirige de que desse papel devem se compenetrar.
Entre
figuras de retórica ao gosto da época, uma defesa da mulher calcada na figura
materna, em Eva “a mãe do gênero humano”
e em Maria “mãe da graça bendita”, esse
dizer de Luciana Maria de Abreu se esmaeceria
caso fosse esquecido o momento em que
o enunciou: um Brasil monárquico e escravagista. Razão a mais para lhe
conceder o inegável mérito de ser, esperançoso e corajosamente reivindicatório nesse tempo em que às mulheres era dado, apenas, o direito de serem subalternas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário