domingo, 12 de setembro de 1999

As educadoras.

          Elas ensinaram e criaram escolas num momento em que a sociedade era regida, exclusivamente, pela vontade masculina. Por vezes, sofreram perseguições políticas ou foram criticadas ou caluniadas. Mas, não somente se mostraram capazes de superar empecilhos, oriundos da mediocridade das idéias feitas, como abriram caminhos:  o primeiro curso noturno de alfabetização de adultos, a primeira escola mista gratuita para crianças,  a primeira profissionalização como jornalista, a criação de um método próprio para as escolas maternais, o estabelecimento de creches, a preconização da ginástica desde os sete anos. E, servindo-se da palavra, se antepuseram, de muito, a seu tempo. Entre as cinqüenta e duas mulheres escritoras que fazem parte do volume Escritoras brasileiras do século XIX (Editora Mulheres de Florianópolis e EDUNISC de Santa Cruz do Sul, 1999), encontram-se Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada a primeira feminista do Brasil, autora do livro  Direito das mulheres e injustiças dos homens que trata do Direito da mulher à instrução e ao trabalho (Recife, 1932) e Maria Firmina dos Reis, autora de   Úrsula, (São Luiz, 1859), o romance brasileiro que, antes de todos, tratou da  Abolição da Escravatura. Ambas, como as demais  (ao todo são quinze), se dedicaram ao  ensino  e ao ofício de escrever: peças pedagógicas, poemas, contos, romances e páginas que advogam o direito da mulher à educação.

          Nascida em 1847, em Porto Alegre, Luciana Maria de Abreu, conclui o  curso de magistério e logo, no ano seguinte, inicia a sua carreira cuja atuação, diz Rita Terezinha Schmidt que assina em Escritoras brasileiras do século XIX   o estudo que lhe é dedicado, se destaca “pela coragem com que abordava questões sociais, principalmente a referente ao direito da mulher à educação”. Se, como diz, ainda, a articulista, ela não deixou de ser vista “sem desconfiança e inquietação por uma sociedade monárquica e provinciana, eivada de preconceitos e restrições quanto ao papel da mulher no contexto social”, ao se mostrar uma  “pioneira e reformista”, foi reconhecida por “figuras de projeção no meio intelectual da época”. José Antonio do Vale Caldre e Fião,  autor de A divina pastora (1847) e  Enciclopédia dos conhecimentos úteis 1849), quando Presidente do “Partenon Literário” a convida para figurar entre seus oradores. Três dos discursos  que  proferiu, publicados pela Revista Partenon Literário, apareceram, em 1949, em Preleções com prefácio e estudos de Dante de Laytano. Desse volume que saiu sob a chancela do Museu Júlio de Castilhos de Porto Alegre, foram tirados os excertos que ilustram o texto de  Rita Terezinha Schmidt.

          O discurso “A educação das mães de família”, Luciana Maria de Abreu o inicia, prudentemente, com expressões de humildade: “eu fraca mulher”, “sem título algum que autorize minha presença aqui” e, logo mais adiante, “pouco abusarei de vossa complacente atenção”.  Porém, não se intimida ao relacionar os preconceitos presentes nas relações entre os sexos que estão na origem das calúnias e das conviccões que as rotulam  de inconstantes, mesquinhas, desrespeitadoras de seus deveres, incapazes de grandes cometimentos e de grandes ações, apenas destinadas a ser “meros instrumentos do prazer e das conveniências do homem”. E, assim, condenadas à ignorância, privadas dos direitos dos cidadãos. Argumenta que é do ensino feminino que se fazem ös mais perfeitos heróis da humanidade”, que é a mulher a preparadora do coração de seus filhos para a virtude e para o amor ao progresso e à liberdade. E, ao se mostrar vulnerável, passível dos defeitos que lhe atribuem – frívola, descuidada, pretenciosa, submissa - tal se deve à educação  recebida que lhes nega o direito de pensar. Então pede, em nome das mulheres o direito à instrução superior, à liberdade de se instruir, de exercer as profissões para as quais tenham aptidões. Consciente de que lhes compete um papel na sociedade, não se exime de lembrar àquelas a quem se dirige  de que desse papel devem se compenetrar.
          Entre figuras de retórica ao gosto da época, uma defesa da mulher calcada na figura materna, em  Eva “a mãe do gênero humano” e em Maria  “mãe da graça bendita”, esse dizer de Luciana Maria de Abreu se esmaeceria  caso fosse esquecido o momento em que  o enunciou: um Brasil monárquico e escravagista. Razão a mais para lhe conceder o inegável mérito de ser, esperançoso e corajosamente reivindicatório  nesse  tempo em que às mulheres era  dado, apenas, o direito de serem subalternas.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário