domingo, 4 de julho de 1999

Teresa de la Parra. A ilusão


           Ela dizia ter nascido na Venezuela. No entanto, o inegável é conhecido: veio ao mundo em 5 de outubro de 1889, no número 75 da avenida Wagram, em  Paris. E, foi aí que viveu até os dois anos quando voltou ao país de seus pais para morar numa propriedade rural, perto de Caracas. Tinha oito anos quando lhe morre o pai. Com seis filhos pequenos, a mãe procura apoio  na sua família e parte para a Espanha onde Teresa de la Parra permanece até os dezoito anos num colégio de freiras. Então, volta para a Venezuela e passa a levar uma vida mundana, rica em festas e reuniões sociais que, em breve, a levam a buscar evasão na leitura isto é, alimentar-se da literatura francesa que invade o Continente  de títulos, muitas vezes,  assinados por autores que o juízo do tempo fez esquecer. E’ nessa época que  aparecem  seus primeiros trabalhos em revistas e jornais de Caracas. Já havia publicado Ifigenia  que recebe, em Paris no ano de 1925, o prêmio de melhor romance quando, em La Habana, faz a sua primeira conferência cujo tema foi “La influencia oculta de la mujeres en la Independência del Continente y en la vida de Bolívar”. Três anos depois, na Colômbia, discorre sobre o tema  “Influencia de las mujeres en la formación del alma americana”.

          Nelson Osorio que no seu trabalho “Contextualización y lectura crítica de Las memorias de Mamá Blanca” faz uma aproximação desse segundo romance de Teresa de la Parra com as conferências proferidas,  transcrevendo, delas, alguns textos que a mostram  como uma intelectual conservadora, absolutamente incapaz de entender o processo histórico do Continente. Daí, o ter podido ela afirmar, terem sido os três séculos compreendidos entre o momento da Conquista e aquele da Independência, um período de fusão e de amor no qual impera um regime de feminismo sentimental à moda antiga”. Ou, ainda, que nessa época, a mulher reinava sem crônicas nem cronistas - não  deixando por isso nem rastros, nem arquivos, nem cartas, nem livros -  porque a tranqüilidade de seu viver a acostumou ao silêncio, seu ritmo suave e monótono de viver só chegou até nós cheio de encanto por meio da tradição oral.

          Esse receber como verdade aquilo que lhe agradava ou convinha – acredito que as pessoas da Colônia eram muito felizes, tinham a dourada mediocridade e não os atormentava o desejo de mando nem o de milhões. Com o céu sempre azul e a segurança de Deus ocupando-se sempre deles, que vida mais agradável poderia ser? diz em carta a um amigo – a impede de perceber os agravos a que seu povo era submetido sob a ditadura de Juan Vicente Gomez que se manteve no poder de dezembro de 1908 a dezembro de 1935. Teresa de la Parra que dele se considerava uma amiga, sempre o defendeu elogiando o seu governo com inegável convicção: Há magníficas estradas, paz, segurança individual [..]). Um poderoso ar de progresso, de prosperidade, de riqueza impulsiona, hoje, a Venezuela.

            Quando o ditador caiu, logo depois, no seu Diario, data do de 13 de janeiro de 1936, Teresa de la Parra escreveria: Se o governo da Venezuela chegar a se constituir de forma decente e legal, me sentiria  encantada, embora me prejudicasse a nível pessoal ao perder a pensão.

             Parece inegável, portanto, que antes de mais nada, ela antepôs, sempre, a defesa de seu  status pessoal. Impedindo-se , assim, de opinar, de julgar, de perceber, ela se volta para um passado que idealiza e no seu romance Memorias de Mamá Blanca cria um mundo idílico e idealizado, fictício que pode ser entendido – e algum crítico o fez – como recusa de um presente degradado. Ou, como um refúgio que embora cative o leitor e lhe proporcione esse prazer tão próprio dos belos textos, não lhe permite esquecer que o Continente é feito de contornos menos luminosos e inocentes e com  muita frequência, manchado pelo opróbrio das injustiças sociais.

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