Quando
tinha vinte anos, publicou Veinte años,
em Buenos Aires, um livro de versos cujo prólogo, de Julio Noé, um seu companheiro
de estudos, afirmava que não seria muito prolongada sua veia poética pois não
era esse o seu idioma natural. Mas que
sim, logo seria um excelente escritor. O vaticínio se cumpriu. Enrique Amorim,
uruguaio, nascido em Salto, em 1900, iria publicar, três anos depois, Amorim, um conjunto de quinze contos,
entre os quais “Las quitanderas”. Este, já teria uma edição especial, logo no
ano seguinte e, na história literária de seu autor, iria se constituir um texto
de primeira importância, gênese de La
Carreta, a sua obra mais editada. Apareceu, pela primeira vez em 1932 mas,
somente dada por concluída vinte anos depois quando foi, novamente, publicada,
desta vez, de forma definitiva. Entre as duas edições medeiam quatro outras e
um trabalho intenso e longo de correções e de
reajustes na composição aos quais se acrescentam outros relatos, capítulos
independentes, um todo a fazer desse livro o texto admirável a resitir
classificações que possam lhe querer dar
ou das discussões, mais ou menos simplistas, sobre a sua estrutura narrativa.
Hás os que dizem tratar-se La Carreta
de um agrupado de contos; outros, que se trata de um romance de estrutura
incoerente. Entre essas e múltiplas outras asserções, como tantas vezes, Emir
Rodríguez Monegal é extremamente feliz
ao explicar essa “construção
improvisada”, tida como o grande defeito da obra: “ o que procura expressar o
narrador não é a estrutura implacável da obra literária, senão o fluir seguro
da vida; não é a composição rígida, senão o significado; não é a proposição
dramática senão a substância sinuosa, cambiante, variada até o incoerente do
fluxo narrativo”.
Já
numa entrevista à Crítica, periódico
de Buenos Aires, muitos anos antes da publicação de La Carreta, Enrique Amorim dizia que a vida não está constituída de um desenvolvimento contínuo mas se caracteriza por seus momentos maiores que são os interessantes. Em La Carreta, no desejo de mostrar a vida no campo uruguaio como
acreditava não ter sido, ainda, feito antes, o que ele fixa, são momentos
.E, embora, eventualmente, possam esses
textos estar ligados por uma presença (a da carreta, a de um personagem), a
independência de um em relação ao outro não lhes tira a perfeição formal de que
estão constituídos e na qual, emergem soberanas, muitas vezes, a composição de um tipo ou
a descrição de uma festa campeira.
Don
Nicomedes é o comissário de Tacuaras, um amontoado de casas, no meio do campo: homem obeso, grande comilão, de excelente
caracter, mas enérgico. Quando embrabece, ninguém pode contê-lo. Não se
deixa engambelar e lhe agrada contemporizar com todos e se for o caso, faz
vista gorda para as pequenas faltas. Bem barbeado, as gordas bochechas lhe dão
um ar de comerciante tranqüilo. Na
alegria do circo recém chegado e em toda a agitação que cerca as suas funções
ele vê uma farsa divertida e parece
honrado em ter sob suas vistas um entusiasmo tão especial. Ignora o jogo e impede que o dono do circo instalado
na praça que lhe fora cedida, cobre uma taxa das vendedoras ambulantes que nos
intervalos das funções querem vender
suas fritangadas e seus doces. Vê o
alvoroço com bons olhos mas sem perder o sentido da medida: no seu entender,
festa é bom por uns dias e, assim,
vai, logo, tratando de fazer com
que o circo vá embora.
Logo
no início do segundo capítulo, opondo-se ao
clima de fracasso que é o do
espetáculo circense a se apresentar, provocando bocejos estrondosos, o triunfo da animação na praça: são breves
frases, dizendo dos ruídos, dos sons, dos gostos adoçando as bocas, dos aromas que se espalham, da azáfama, de vai e
vem. Todo um gentio tomando mate, jogando truco, fumando cigarro de palha, que fala e gesticula. E as mulheres riem e as
crianças correm e há um gosto de viver que se espalha e que se impõe.
E
o tipo humano e a festa popular, na maestria desse narrar em que a vida irrompe
alegre e calorosa, são verdadeiros registros a desdizer o quê, em tom
repetitivo foi sendo afirmado pelos críticos sobre a visão do campo uruguaio de
Enrique Amorim. Não há farpas nem arestas, nem tons lastimeiros nesses
primeiros capítulos de La Carreta.
Apenas a fixação de tipos e de festas distantes desses outros tipos e dessas outras
festas, regidos por padrões citadinos e rígidos e convencionais. Seus cultores
desconhecem tudo que ultrapassa os seus horizontes e são, por isso, levados à
incompreensão. Na verdade, não há que esquecer: no Continente, os mundos estão
profundamente separados e, em geral, apenas um se expressa, acreditando que
somente ele tem verdades incontestes a dizer.

Nenhum comentário:
Postar um comentário