Ele
foi um sábio ancião. Tinha noventa e nove anos e a família , dele se
orgulhava por longevo. Mas, da família ,
ele estava farto e, numa dessas comemorações domésticas, envenenou o barril de
chope. Salvaram-se os leais consumidores de coca cola. Tarde demais,
lamentava-se o velho: “- Mas como é possível passar o resto da vida com esses?
Com gente assim? Porque a coca cola não é verdadeiramente uma bebida, a coca cola
é um estado de espírito”. E, assim constatando, sábio como era, o ancião se
suicidou.
Esta história deveras é de Mário Quintana e
faz parte de “O Caderno H”, publicado
pelo suplemento “ Letras & Livros”
do Correio do Povo de Porto Alegre,
no dia 24 de outubro de 1981.
Na
verdade, a partir da primeira garrafinha
de coca cola que apareceu no Brasil,
precedida de muita publicidade nas páginas
do Reader Digest, nessa distante década de 50, foi-se modelando uma
forma de ser que pretende, como modelo
acabado seguir o que é considerado aceitável pelo grande e inquestionável
país do Norte. Não apenas no modo de
vestir, de comer, de se portar, de se expressar mas, sobretudo, no de perceber o mundo e tudo que lhe diz respeito.
Nesse
ínterim houve, também, uma frase, possivelmente definitiva ,pois foi aceita por
quase todos (daí serem muito, mas muito honrosas as exceções) os brasileiros
aptos a escolher o tipo de vida que pretendem levar (bem distantes desses
outros que apenas conseguem sobreviver), verdadeira obra prima de entreguismo:
“o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Naturalmente, a esse
pensar e a esse crer, sucedeu-se a avalanche de imitações e de adoções de
gostos alienígenas dos quais o consumo da coca cola parece ser o mais expressivo e conforme tudo
indica, irreversível, até porque resulta ser uma inquestionável preferência
mundial.
Dessa
maneira, tudo leva a pensar que Mário Quintana esteve coberto de razão quando
escreveu “O supremo castigo”, também parte de “ O Caderno H” e, também
publicado pelo “Letras & Livros” do Correio
do Povo de Porto Alegre no dia 29 de agosto de 1981: “Em todos os aeródromos, em todos os estádios, no ponto principal de
todas as metrópoles existe – quem é que não viu? – aquele cartaz. De modo que,
se esta civilização desaparecer e seus dispersos e bárbaros sobreviventes
tiverem de recomeçar tudo desde o princípio – até que um dia também tenham os
seus próprios arqueólogos – estes hão de encontrar, nos mais diversos pontos do
mundo inteiro, aquela mesma palavra. E pensarão eles que Coca Cola era o nome
de nosso Deus”.
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