domingo, 8 de agosto de 1999

O estado de espírito.

         Ele foi um sábio ancião. Tinha noventa e nove anos e a família , dele se orgulhava  por longevo. Mas, da família , ele estava farto e, numa dessas comemorações domésticas, envenenou o barril de chope. Salvaram-se os leais consumidores de coca cola. Tarde demais, lamentava-se o velho: “- Mas como é possível passar o resto da vida com esses? Com gente assim? Porque a coca cola não é verdadeiramente uma bebida, a coca cola é um estado de espírito”. E, assim constatando, sábio como era, o ancião se suicidou.

          Esta história deveras é de Mário Quintana e faz parte de “O Caderno  H”, publicado pelo  suplemento “ Letras & Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre, no dia 24 de outubro de 1981.

         Na verdade,  a partir da primeira garrafinha de coca cola que apareceu no  Brasil, precedida de muita publicidade nas páginas  do Reader Digest, nessa distante década de 50, foi-se modelando uma forma de ser que pretende, como modelo  acabado seguir o que é considerado aceitável pelo grande e inquestionável país do Norte. Não apenas  no modo de vestir, de comer, de se portar, de se expressar mas, sobretudo,  no de perceber o mundo e tudo que lhe diz respeito.

           Nesse ínterim houve, também, uma frase, possivelmente definitiva ,pois foi aceita por quase todos (daí serem muito, mas muito honrosas as exceções) os brasileiros aptos a escolher o tipo de vida que pretendem levar (bem distantes desses outros que apenas conseguem sobreviver), verdadeira obra prima de entreguismo: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Naturalmente, a esse pensar e a esse crer, sucedeu-se a avalanche de imitações e de adoções de gostos alienígenas dos quais o consumo da coca cola  parece ser o mais expressivo e conforme tudo indica, irreversível, até porque resulta ser uma inquestionável preferência mundial.

              Dessa maneira, tudo leva a pensar que Mário Quintana esteve coberto de razão quando escreveu “O supremo castigo”, também parte de “ O Caderno H” e, também publicado pelo “Letras & Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre no dia 29 de agosto de 1981: “Em todos os aeródromos, em todos os estádios, no ponto principal de todas as metrópoles existe – quem é que não viu? – aquele cartaz. De modo que, se esta civilização desaparecer e seus dispersos e bárbaros sobreviventes tiverem de recomeçar tudo desde o princípio – até que um dia também tenham os seus próprios arqueólogos – estes hão de encontrar, nos mais diversos pontos do mundo inteiro, aquela mesma palavra. E pensarão eles que Coca Cola era o nome de nosso Deus”.

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