domingo, 22 de agosto de 1999

O canto da Juriti.

           Numa co-edição da Editora Mulheres de Florianópolis e da Editora Movimento de Porto Alegre, foi publicado no ano passado, Sorrisos e prantos de Rita Barém de Melo. Trata-se de uma edição baseada na primeira e única que apareceu, postumamente, em 1868, na cidade do Rio Grande. Agora, com o texto atualizado por Rita Terezinha Schmidt que assina, também, a Introdução, esses versos da poetisa gaúcha podem, finalmente, ser conhecidos o quê a edição do século passado pouco permitiu até porque – e são palavras de Rita Terezinha Schmidt – as obras dos escritores sul-riograndenses, via de regra, têm sido marcados historicamente por uma posição de invisibilidade no cenário da  cultura nacional. Assim, ao possibilitar a leitura de Sorrisos e prantos, as editoras estarão, também, ensejando – e é preciso pensar na pesquisa que está sendo feita nos cursos de Mestrado e Doutorando – uma devida e cuidadosa apreciação crítica  que lhe tem sido, como à obras de outras poetisas brasileiras do século XIX, continuamente, negado. No  estudo que lhe dedica, Rita Terezinha Schmidt esboça algo de sua biografia – Rita Barém de Melo nasceu em Porto Alegre em 1840, seus estudos não foram, como era próprio da época, além do curso primário, se casou aos dezessete anos, teve dois filhos que morreram ainda crianças e faleceu aos vinte e oito anos na cidade do Rio Grande – cujas contingências, acredita, não podem ser separadas de uma personalidade marcada pela dor, pelo abandono, pela solidão.

          Rita Barém de Melo teve seus primeiros versos publicados aos dezesseis anos no semanário O Guaíba de Porto Alegre, sob o pseudônimo de  Juriti, o pássaro brasileiro de fundo de quintal e das roças do interior, de canto agradável e nostálgico. Ao identificar-se com o seu canto, Rita Barém de Melo como que enuncia ser o seu um versejar ingênuo e espontâneo. Aproximar-se dele é perceber  o quanto é expressão das perdas sofridas pelas mortes e separações, ou dessa dor de viver marcada pela solidão e pelas saudades ou de reflexões sobre um mundo de mentiras e amargor. Também, o quanto pode ser expressão de vida.

           Dominado pelo desencanto que não condiz com os seus dezesseis anos, o poema “Pra que viver-se”. Seus primeiros versos – “Pra que viver-se uma vida/ Que a morte irá matar?/Pra que viver-se a existência/Se num túmulo irá findar? – interrogam, afirmando algo  sem dúvida  inerente à condição humana,  sua única certeza: o efêmero da existência. Nos versos seguintes, em cada estrofe, a reafirmação de que tudo (o fogo que nos alenta, o que nós sentimos, o viço das flores d’alma, a esperança ditosa, a flor da vida) é transitório. Termina aconselhando: Ah! Não choremos a vida/Que ela sempre findará/  Não rossiemos de pranto/O que a morte beijará. Fatalismo  que está em acorde com  expressões  que pontilham seus versos (flores de dor, dor profunda, flor de tristeza, pungente tristor)  e , também,  em acorde com outros poemas em que a poetisa se mostra sem ilusões diante de um mundo que percebe como fingido e traidor. Mas que, no entanto, não a vence. O poema “Não dobra a vontade de meu coração”, revela que embora ferida,  Rita Barém de Melo, comparando-se ao carvalho resiste às intempéries da vida e não se dobra, não se abate, não verga, nem quebra mas se mantém soberba e altiva. O que a leva,  a ser, então, senhora de versos  iluminados, verdadeiros cantos de amor e de amor à vida. Assim, o poema “Como eu te amo” em que as onze primeiras estrofes,  nas perguntas feitas ao ser amado, dizem sobre a imensidão (como contar as estrelas do céu? quantas vagas nascem e morrem no mar? quantas nuvens despontam na aurora ? quantas flores reverdessem?) desse amor que lhe é dedicado. Nas outras três, finalizando o poema,  o testemunho da alegria de amar: a cisma, o sonho, a ventura, as esperanças, os enlevos.  Sem dúvida, um poema de feliz inspiração e tanto quanto ‘Pra que viver-se”, escrito no ano de 1856. Neles, a alegria  intensa e a profunda tristeza constroem essa dualidade luz e sombra que o título do livro, Sorrisos e prantos, sintetiza. Dualidade a sugerir nuanças numa poesia que, certamente, ainda guarda, por desconhecida, muitos de seus segredos.

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