domingo, 15 de agosto de 1999

Cartas da Alemanha


                        No ano de 1857, foi publicado pela Firmin Didot Frères, em Paris, Itinéraire d’ un voyage en Allemagne de Nísia Floresta. Em português, só irá aparecer em 1982,  traduzido por Francisco Chagas Pereira, numa edição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. No ano passado, em cuidadoso trabalho da Editora Mulheres de Florianópolis, com uma excelente apresentação de Constância Lima Duarte, é novamente editado.

                        Em  trinta e quatro cartas, datadas, a primeira, de 26 de agosto de 1856, Bruxelas e a última de 30 de setembro, Estrasburgo, do mesmo ano, Nísia Floresta dá conta minuciosamente dos lugares visitados e de seus estados de espírito. Assim, há notas sobre o aspecto das cidades, sobre os museus, sobre parques e jardins, sobre a paisagem. Também, sobre as melancolias e tristezas e saudades que afloram a seu espírito, motivadas pelo escutar de uma bela música ou pelo vislumbrar de alguma imagem. 

                        Quase sempre é um registro que se ancora nas suas emoções. Pontilhado de adjetivos elogiosos (belo, gracioso, encantador, magnífico, majestoso, lindíssimo), diz do que lhe agrada e, rara vez, se permite emitir uma crítica e, quando o faz, está a visar o luxo desenfreado, presente numa rica mesa de jogo ou o luxo frívolo que  se ostenta do trabalho cansativo e absorvente das rendeiras cujo ganho nada mais é do que uma minguada quantia.

                        Mas, é, sobretudo, quando visita as cidades alemãs, depois de ter passado  por Bruxelas, Liège e Spa que Nísia Floresta se deixa conquistar. Em 31 de agosto, escreve: eis-me no solo tão desejado da Alemanha. Uma semana depois, já deseja se fixar em  Frankfurt, lamentando ter, com grandes despesas,  montado uma casa em Paris pois, quanto mais conhece a Alemanha, mais aprecia o modo e os costumes de vida de seus habitantes e mais se convence que é junto com o povo alemão que deseja viver. E descobre-lhe inúmeras qualidades: seriedade afabilidade, probidade de caráter, sensibilidade, hospitalidade, espírito filosófico, franqueza, polidez, amabilidade, sinceridade. A elas se acrescenta o que chama de maravilha do trabalho e do gênio humano, responsável, sem dúvida, por essa beleza da paisagem que é fruto do trabalho do homem: os jardins e os parques, as flores e os pomares.

                        E há referência à História, guardada nos museus e nos objetos de arte e nos castelos e igrejas; e há a lembrança dos gênios da música e dos poetas. Por vezes, a emoção diante de um entardecer, ou do prazeroso copo de vinho, servido diante do rio. Vivências que se entrelaçam à saudade constante que sente dos seus e cuja expressão, um eu que se confessa, não permite diluir-se no testemunho e na narrativa, esse estado de alma que fez do itinerário de viagem de Nísia Floresta um olhar que é, mais que tudo, voltado para si mesma.

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