Jules
Supervielle, nascido em 1884, em Montevidéu, filho de franceses e educado na
França, onde passou a maior parte de sua vida, nutriu sua obra, no dizer de Zum Felde no seu livro Proceso Intelectual del Uruguai, da emoção e da evocação dos motivos americanos.
Sua
produção literária, toda escrita em francês, se inicia em 1910 com um livro de
poemas, Comme des voilliers e, tanto
nele, como nos outros que se lhe seguem – Poèmes
(1919), Debarcadères e Gravitations (1925), Le forçat innocent (1930), Les
amis inconnus (1934), La fable du
monde (1938) – se alternam os temas franceses com aqueles relacionados à
terra onde passou os seus primeiros anos.
Em 1923, publica pela Gallimard de
Paris, o relato L’homme de la Pampa que
aparece, em
tradução espanhola,
numa edição da Arca de Montevideu, em 1969, nove anos depois de sua morte,
ocorrida em Paris. Na epígrafe que antecede a obra, Jules de Supervielle diz
que se trata de um sonho, uma realidade,
uma farsa, uma angústia, esse pequeno
romance, escrito para a criança que
ele foi e que pede que lhe conte histórias.
E
de um mar de histórias é feito El hombre
de la pampa. Chama-se ele Juan Fernández y Guanamirú e é estancieiro
incomum: um homem dono de mais touros
puro sangue dos que são necessários
para cobrir sessenta mil vacas. Até os quarenta anos tinha querido
administrar as terras que herdara de seu pai e, então, para passar o tempo, mandara construir um enorme palácio, enfeitado
de torres quadradas. No seu parque, se permitira todas as fantasias que, de
repente, um dia, não mais o entusiasmaram. Foi quando lhe veio o desejo de
construir um vulcão, convicto de que só assim seria feliz. Procurou modelos
entre os existentes e optou por um que fosse jovem, com uma cratera bem
conservada e se constituísse o resumo de todos. Quando ficou pronto, ele se deu
conta que, para efetuar a erupção completa, teria que despender muito e que assim
somente poderia oferecê-la completa nos dias de festa nacional. Mas que as
quintas-feiras seriam um dia reservado para as crianças da escola quando o seu Vesúvio dos tempos modernos vomitaria
gratuitamente receitas úteis,
pastilhazinhas de sabão e pedra-pomes, quebra-cabeças inquebráveis com pinturas
nutritivas ou refrescantes conforme o
desejo expresso pelos pais. Mas, logo vieram as críticas e a perda de uma
serenidade que o levou a concluir ser tempo de mudar de ares. E viajou para
Paris onde inusitadas aventuras lhe povoaram os dias.
Embora
o título do relato enraíze o personagem no Pampa, parece que nada o liga a
esses campos sem limites a não ser querer fugir da imensa ociosidade em que se
vê mergulhado na sua estância. É, na verdade, um personagem rodeado de
prodígios que se entrelaçam num contínuo emergir de surpresas. Assim, na
depressão que dele se apodera diante dos
ataques dos jornais a respeito de seu vulcão e da maneira morna como foi defendido,
nem chega a notar a verdadeira
hostilidade com que as coisas se voltam contra ele: os retratos de família
o olham de viés; sua caneta foge para o campo; as portas de seus armários,
quando as abre, gemem como recém-nascidos; os números de seu cofre mudam
durante a noite; seu relógio de noite adianta, enquanto o do quarto se atrasa.
Repleto de maravilhas que, ininterruptamente,
se sucedem, o relato vai se fazendo de
inacreditáveis e muito rico de significados misteriosos e de expressões a
sugerirem sons e cores e aromas. E o quebrar da lógica, sempre desfeita ou num
emaranhado de sinestesias – chegou a
respirar de perto um ramalhete de estrelas –, ou em dizeres de alucinante
fantasia – estendeu-lhe a mão quadrada
que tinha escondido até então e onde relinchava,
sem interrupções, sobre um camafeu vermelho, um cavalo marinhotttt – domina
cada seqüência narrativa.
É
um narrar que se estrutura a contrariar qualquer verossimilhança: um
caleidoscópio de mágicas, ligado ao mundo dos homens – o de usos e costumes, o
dos preconceitos e idéias imutáveis – apenas pela ironia e pela troça sutil a
acusar o olhar ameno e risonho que, das margens do Sena, Jules Supervielle
alcança a pousar sobre o Continente.
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