Diz
Ruy Wachowicz na sua obra Obrageros,
mensus e colonos (Curitiba, Vicentina, 1982) que “mensu” é palavra de
origem espanhola que significa mensalista, aquele que recebe por mês. Na
terceira parte do primeiro capítulo, um longo texto é dedicado à maneira como
se fazia o recrutamento de homens para trabalhar nas obrages (propriedade e/ou
exploração em territórios argentinos ou paraguaios cujo objetivo era a extração
da erva-mate) e que tipo de vida eles levavam, a partir do momento em que
recebiam o antecipo e iniciavam a viagem
que os levaria para o local do trabalho contratado, de onde muito poucos tinham
a possibilidade de retornar.
O antecipo era
um adiantamento de salário de uns dois ou três meses para os candidatos a
mensu. Propositalmente, o barco para conduzi-los à obrage demorava uns três
dias para chegar e o mensu, enquanto o aguardava, se distraía no porto,
gastando com bebidas e mulheres o dinheiro recebido. Ao embarcar, já nada tinha
no bolso.
O conto de Horacio Quiroga “Los
mensu” (parte do livro Cuentos de amor,
de locura y de muerte) se inicia
no momento em que dois deles, Cayetano Maidana e Esteban Podeley voltam, depois
de meses de trabalho na obrage, a Posadas,
para a sonhada glória de uma semana. Magros,
despenteados, [...] descalços como a maioria, sujos como todos eles, descem
do barco já cambaleantes de orgia
antecipada. À espera estão as mulheres alegres, as bebedeiras, as compras,
os bailes. Depois de sete dias de desperdício do novo antecipo, outra vez o
embarque para a mata com a certeza de
jamais poder saldar a dívida contraída nesses dias vividos como gran señor. Cayetano, no barco, enfim
lúcido, se dá conta que lhe resta apenas uma saída: a fuga. Que, também será a
esperança de salvação para Esteban Podeley, atacado de febres. Num Domingo,
ludibriam os vigias e se internam na mata. Embora perseguidos por homens
armados, conseguem chegar às margens do rio Paraná. Famintos, molhados até os ossos
por uma chuva torrencial, a chuva branca
e surda dos dilúvios outonais,
entre mata e rio ficaram sitiados. Um, para morrer tiritando; o outro, para ser
recolhido pelo barco que ali passa, um entardecer, subindo o rio. Ao se dar
conta que estava sendo levado para o mesmo lugar de onde fugira, o mensu,
chorando, implora que não o desembarquem pois seria condená-lo à morte. Dias
depois, o barco, de volta, aporta em Posadas e, então, dez minutos lhe são
suficientes para ficar bêbado com o antecipo de um novo contrato e,
cambaleante, ir em busca de perfume para comprar.
Parco
de adjetivos, dominando a expressão no narrar objetivo em que o sentir dos
personagens emerge apenas, Horacio Quiroga faz da estrutura circular de “Los mensu”
um perfeito recurso narrativo para mostrar quão imenso é o drama desses seres
humanos a quem foi negado qualquer e mínimo direito de existir, na crueza de
sua realidade: o contínuo recomeçar de misérias.
É
um conto em que há síntese, há ausência de emoção, há verdade e há beleza nesse
querer falar do opróbrio a que devem se sujeitar os pobres desamparados do
Continente.

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