domingo, 9 de maio de 1999

Ida e volta.

           Diz Ruy Wachowicz na sua obra Obrageros, mensus e colonos (Curitiba, Vicentina, 1982) que “mensu” é palavra de origem espanhola que significa mensalista, aquele que recebe por mês. Na terceira parte do primeiro capítulo, um longo texto é dedicado à maneira como se fazia o recrutamento de homens para trabalhar nas obrages (propriedade e/ou exploração em territórios argentinos ou paraguaios cujo objetivo era a extração da erva-mate) e que tipo de vida eles levavam, a partir do momento em que recebiam o  antecipo e iniciavam a viagem que os levaria para o local do trabalho contratado, de onde muito poucos tinham a possibilidade de retornar.
O antecipo era um adiantamento de salário de uns dois ou três meses para os candidatos a mensu. Propositalmente, o barco para conduzi-los à obrage demorava uns três dias para chegar e o mensu, enquanto o aguardava, se distraía no porto, gastando com bebidas e mulheres o dinheiro recebido. Ao embarcar, já nada tinha no bolso.

            O conto de Horacio Quiroga “Los mensu” (parte do livro Cuentos de amor, de locura y de muerte) se inicia no momento em que dois deles, Cayetano Maidana e Esteban Podeley voltam, depois de meses de trabalho na obrage, a Posadas,  para a sonhada glória de uma semana. Magros, despenteados, [...] descalços como a maioria, sujos como todos eles, descem do barco já cambaleantes de orgia antecipada. À espera estão as mulheres alegres, as bebedeiras, as compras, os bailes. Depois de sete dias de desperdício do novo antecipo, outra vez o embarque  para a mata com a certeza de jamais poder saldar a dívida contraída nesses dias vividos como gran señor. Cayetano, no barco, enfim lúcido, se dá conta que lhe resta apenas uma saída: a fuga. Que, também será a esperança de salvação para Esteban Podeley, atacado de febres. Num Domingo, ludibriam os vigias e se internam na mata. Embora perseguidos por homens armados, conseguem chegar às margens do rio Paraná. Famintos, molhados até os ossos por uma chuva torrencial, a chuva branca e surda dos dilúvios outonais, entre mata e rio ficaram sitiados. Um, para morrer tiritando; o outro, para ser recolhido pelo barco que ali passa, um entardecer, subindo o rio. Ao se dar conta que estava sendo levado para o mesmo lugar de onde fugira, o mensu, chorando, implora que não o desembarquem pois seria condená-lo à morte. Dias depois, o barco, de volta, aporta em Posadas e, então, dez minutos lhe são suficientes para ficar bêbado com o antecipo de um novo contrato e, cambaleante, ir em busca de perfume para comprar.

            Parco de adjetivos, dominando a expressão no narrar objetivo em que o sentir dos personagens emerge apenas, Horacio Quiroga faz da estrutura circular de “Los mensu” um perfeito recurso narrativo para mostrar quão imenso é o drama desses seres humanos a quem foi negado qualquer e mínimo direito de existir, na crueza de sua realidade: o contínuo recomeçar de misérias.
            É um conto em que há síntese, há ausência de emoção, há verdade e há beleza nesse querer falar do opróbrio a que devem se sujeitar os pobres desamparados do Continente.

                       


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