domingo, 16 de maio de 1999

Os fios e os nós.


          Inca Garcilaso de la Vega nasceu no dia 12 de abril  de 1529, filho de um ilustre capitão espanhol e de uma princesa incaica. Daí, ter sido o quechua a sua língua materna e, também, desde muito pequeno ter aprendido a manejar os fios trançados e coloridos dos “quipus”, a maneira de contar dos incas. Esses fios eram de uma, duas, três ou mais cores porque, tanto as simples como as misturadas, tinham todas o seu significado: para o ouro, o amarelo; para a prata, o branco; para os guerreiros, o vermelho. E os nós eram dados pela sua ordem de unidade (dezena, centena, milhar) e cada um deles e cada fio iam emparelhados uns com os outros e nesse tecer emergia a vida inteira da comunidade: a sua produção agrícola, o número e  condição de seus habitantes, a quantidade das armas disponíveis. Um sistema contábil que assim como as leis e a religião, os usos e costumes  dos incas traz no seu bojo toda uma visão de mundo que os colonizadores ibéricos desconheciam e que  Inca Garcilaso de la Vega na sua obra faz conhecer.

            Assim, nos Comentarios reales, ao tratar dos “quipus”, ele se refere, também, aos “quipucamayu”, aqueles que são encarregados das contas do Estado. Mencioná-los, o conduz a uma breve digressão sobre a índole dos índios de seu tempo que, pela pouca malícia que demonstravam e pelo modo como se comportavam, poderiam, no seu entender, ser considerados  pessoas de bem. Para exercer o ofício de “quipucamayu”, no entanto, deveriam, ainda, demonstrar uma longa prática da bondade. Mas, a prudência dos incas ia além: embora fossem os escolhidos homens fiéis e honestos, cada comunidade, por pequena que fosse, possuía, no mínimo, quatro “quipucamayu”. Como os vinte ou trinta das comunidades maiores eles mantinham o mesmo registro de tudo o que ocorria, pois, dessa  maneira não haveria meio de falseá-lo. Eram práticas que originavam uma confiança da qual eles faziam jus. Na verdade, depositários da história de seus antepassados, das leis e dos ritos, das cerimônias e dos impostos, estudavam continuamente os sinais e as cifras que os nós e as cores dos “quipus” transmitiam e estavam aptos a responder as perguntas formuladas, sem se afastar da verdade. Com a chegada dos ibéricos, se deram conta, porém, que existia a traição e a hipocrisia. Compreenderam que o sentido do que eles faziam ou os atos que praticavam, na maior parte das vezes, não obedecia aquilo que era antes estipulado mas, dependia sempre dos interesses que estavam em jogo. E tiveram que aprender a se defender.

          No capítulo IX da segunda parte de sua obra, conta Inca Garcilaso de la Vega que, não se fiando dos espanhóis, os incas  quando iam para a cidade pagar os tributos devidos, pediam que ele, conhecedor dos “quipus” e da escrita latina, cotejasse as contas  arroladas pelos colonizadores com os seus nós e os seus fios.

          Certamente, uma sábia prática necessária que os colonizados – uma espécie que no Continente não se extinguiu – jamais deveriam deixar de cultivar. Até porque, nesta América ao sul do rio Bravo, os alienígenas nunca os deixaram de menosprezar ao impor suas enganosas e perversas condições.                                          

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