Sueño y verdad de América é uma obra
póstuma. Foi recopilada, selecionada e interpretada
de originais ilegíveis pela viúva do autor, Dora Varona. Morto em 1967, em
plena atividade, Ciro Alegría deixou, além do romance El mundo es ancho y ajeno que faz dele um dos melhores romancistas do
Continente, uma importante obra inédita. Dela foram extraídos os relatos que
formam Sueño y verdad de América,
obra publicada pela Editorial Universo, de Lima, numa edição sem data. São em
número de treze e feitos de histórias que Ciro Alegría reescreve a partir de
textos já existentes como “Gonzalo Guerrero”, baseado na crônica La
conquista de la Nueva España de
Bernal Diaz del Castillo ou que se baseiam em narrativas orais como “Leyenda y
poesía de un ojo de agua”, história que lhe é contada por um velho senhor, na
praça da pequena cidade de Aguadilla, em Puerto Rico.
O
quarto relato do livro tem por título “Rodrigo Niño, guardián de 86 galeotes y
burlador de piratas”. Sua origem é vaga, pois o autor diz que esse personagem é
lembrado pelos cronistas, sobretudo, como guardião de prisioneiros e enganador
de piratas. Ciro Alegría define Rodrigo Niño: um despreocupado e audaz,
mudando de lado nas lutas que então se travavam, nesses primeiros anos da
conquista ibérica no Continente, de acordo com as perspectivas de vitória. Há
meses estava junto ao vencedor La Gasca, o pacificador do Peru, como tenente.
Foi quando recebeu carta de seu pai. De Toledo, na Espanha, lhe dizia que a
morte de um tio fizera dele um herdeiro. Deveria viajar ao Velho Mundo para
tomar posse daquilo que lhe cabia.
Rodrigo Niño dispõem-se a partir e, ao pedir licença a seu superior La Gasca, é
por ele incumbido de levar para a Espanha oitenta e seis presos, considerados personas non gratas no Peru. Seus
argumentos de que não teria condições, sozinho, para cuidar de tantos, foram
rebatidos: em cada porto a presença das autoridades espanholas impediria a
fuga, caso ela fosse tentada.
E,
assim, partiram todos para a Espanha. No Panamá tiveram que atravessar uma
selva densa para alcançar o outro lado
do istmo onde os esperava o barco para continuar a viagem. Ao embarcar, Rodrigo
Niño contou seus prisioneiros e comprovou a falta de vinte e quatro. Com bom humor, concluiu
que estava bem pois poderia ter ficado sem nenhum e a viagem prosseguiu para a
nova escala, Cartagena de Índias, onde a metade dos homens desapareceu. Muitos
outros esfumaram-se em La Habana e depois de tocar as ilhas Terceiras não havia
mais do que dezoito. E com eles chegou Rodrigo Niño a San Lúcar de Barrameda,
porto espanhol. Mas, entre o porto e Sevilla, o destino final, se escaparam
dezessete. E, então, foi com assombro e muita raiva que ele percebeu estar
sendo seguido pelo prisioneiro que lhe restava. Enxotou-o, dizendo preferir um
pícaro a um bobalhão. Que resultou esperto o suficiente para espalhar boatos
falsos que prejudicaram Rodrigo Niño ao expô-lo à desconfiança das autoridades.
Elas nada mais puderam fazer senão dar-lhe um castigo pelos presumíveis mal feitos que lhe eram imputados. Porém,
apelando para o príncipe que, por ausência de Carlos Quinto, governava a
Espanha conseguiu dele a graça de uma liberdade que lhe permitiu voltar a Lima
onde se casou com uma viúva rica e por três vezes foi prefeito da cidade.
Ser
alegre, displicente e bem disposto, sobretudo ser um vira-casaca – o que é
extremamente oportuno no Continente – lhe garantiram honrarias e riquezas. Que
melhor destino poder-se-ia desejar?
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