domingo, 10 de janeiro de 1999

O vencedor

          Sueño y verdad de América é uma obra póstuma. Foi recopilada, selecionada e interpretada de originais ilegíveis pela viúva do autor, Dora Varona. Morto em 1967, em plena atividade, Ciro Alegría deixou, além do romance El mundo es ancho y ajeno  que faz dele um dos melhores romancistas do Continente, uma importante obra inédita. Dela foram extraídos os relatos que formam Sueño y verdad de América, obra publicada pela Editorial Universo, de Lima, numa edição sem data. São em número de treze e feitos de histórias que Ciro Alegría reescreve a partir de textos já existentes como “Gonzalo Guerrero”, baseado na  crônica La conquista de la Nueva España de Bernal Diaz del Castillo ou que se baseiam em narrativas orais como “Leyenda y poesía de un ojo de agua”, história que lhe é contada por um velho senhor, na praça da pequena cidade de Aguadilla, em Puerto Rico.

          O quarto relato do livro tem por título “Rodrigo Niño, guardián de 86 galeotes y burlador de piratas”. Sua origem é vaga, pois o autor diz que esse personagem é lembrado pelos cronistas, sobretudo, como guardião de prisioneiros e enganador de piratas. Ciro Alegría define Rodrigo Niño: um despreocupado e audaz, mudando de lado nas lutas que então se travavam, nesses primeiros anos da conquista ibérica no Continente, de acordo com as perspectivas de vitória. Há meses estava junto ao vencedor La Gasca, o pacificador do Peru, como tenente. Foi quando recebeu carta de seu pai. De Toledo, na Espanha, lhe dizia que a morte de um tio fizera dele um herdeiro. Deveria viajar ao Velho Mundo para tomar  posse daquilo que lhe cabia. Rodrigo Niño dispõem-se a partir e, ao pedir licença a seu superior La Gasca, é por ele incumbido de levar para a Espanha oitenta e seis presos, considerados personas non gratas no Peru. Seus argumentos de que não teria condições, sozinho, para cuidar de tantos, foram rebatidos: em cada porto a presença das autoridades espanholas impediria a fuga, caso ela fosse tentada.

           E, assim, partiram todos para a Espanha. No Panamá tiveram que atravessar uma selva densa  para alcançar o outro lado do istmo onde os esperava o barco para continuar a viagem. Ao embarcar, Rodrigo Niño contou seus prisioneiros e comprovou a falta  de vinte e quatro. Com bom humor, concluiu que estava bem pois poderia ter ficado sem nenhum e a viagem prosseguiu para a nova escala, Cartagena de Índias, onde a metade dos homens desapareceu. Muitos outros esfumaram-se em La Habana e depois de tocar as ilhas Terceiras não havia mais do que dezoito. E com eles chegou Rodrigo Niño a San Lúcar de Barrameda, porto espanhol. Mas, entre o porto e Sevilla, o destino final, se escaparam dezessete. E, então, foi com assombro e muita raiva que ele percebeu estar sendo seguido pelo prisioneiro que lhe restava. Enxotou-o, dizendo preferir um pícaro a um bobalhão. Que resultou esperto o suficiente para espalhar boatos falsos que prejudicaram Rodrigo Niño ao expô-lo à desconfiança das autoridades. Elas nada mais puderam fazer senão dar-lhe um castigo pelos presumíveis  mal feitos que lhe eram imputados. Porém, apelando para o príncipe que, por ausência de Carlos Quinto, governava a Espanha conseguiu dele a graça de uma liberdade que lhe permitiu voltar a Lima onde se casou com uma viúva rica e por três vezes foi prefeito da cidade.

           Ser alegre, displicente e bem disposto, sobretudo ser um vira-casaca – o que é extremamente oportuno no Continente – lhe garantiram honrarias e riquezas. Que melhor destino poder-se-ia desejar?

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