domingo, 27 de dezembro de 1998

O índio Paulino.

          Começara a trabalhar, curvado sobre o arado, quando parou o caminhão e o mandaram subir sem maiores explicações. Como ele, apertados uns aos outros, com muito medo nos olhos, estavam muitos. Na primeira parada do caminhão, onde lhes proibiram descer, Paulino perguntou a um homem que passava para onde estavam sendo levados. A resposta o aliviou e aos demais: a uma manifestação na capital, porque a revolução havia fracassado. Aquela que tinha acenado com terra e escola e ferramentas e para a qual Paulino contribuía mesmo quando não dispunha de dinheiro e se via obrigado a vender uma ovelha.
Um dia, perguntou pelo título da terra que lhe haviam prometido. Era preciso ir buscá-lo em La Paz foi a resposta. Paulino vendeu quatro ovelhas, na capital, dormiu ao relento e no Ministério lhe disseram que o homem de posse dos papéis assinados pelo presidente iria logo levá-los.
Os anos passaram e Paulino continuava a dar dinheiro para a reforma agrária, para a revolução, para o sindicato, para a cooperativa, para as estradas, mas os títulos das terras não recebeu.

Agora, junto com outros índios, estava na cidade para a manifestação. Ouviu palavras, em espanhol, que não entendeu e ninguém discursou em aimará. Caminhou, junto com os outros, pelas ruas da cidade, carregando uma faixa cujos dizeres ignorava e quando tudo terminou não achou o caminhão que o levaria de volta.
           Chegou em casa no dia seguinte, depois de andar a noite inteira se enregelando no frio das montanhas e com o estômago a doer de fome e de sede. Na porta do rancho, a mulher e o filho, envolto em trapos, o esperavam. Ela perguntou se lhe haviam dado o título das terras. Antes de cair no sono, respondeu: Ainda não.
 O conto finaliza com essa pequena frase, absurdamente cruel que, no entanto, guarda uma ilusão. Paulino sofrera, obedecendo às ordens, nada entendera do que estava acontecendo na cidade e, abandonado a sua sorte, é obrigado a caminhar distâncias para retornar. Mas, a palavra ainda que pronuncia, ao declarar que não recebeu o título que lhe é devido, diz de uma esperança que o relato, ao mostrar como é enganado pelo que se diz seu dirigente, claramente mostra ser vã.

  “El indio Paulino”, publicado em Narradores bolivianos, da Monte Ávila de Caracas (1969), é um conto de Ricardo Ocampo, nascido em Potosi, em 1928. Testemunha com ironia e compaixão, o abismo que separa a massa indígena boliviana daqueles que falam em seu nome na capital do país. Paulino cultiva a terra que acredita, um dia, será sua. E entre revolução e contra-revolução continua na miséria, enganado sempre por palavras que mal entende: revolução, reforma agrária. Abstrações com certeza. Porque, quase sempre, no Continente, elas são usadas, apenas, em proveito de alguns.

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