domingo, 6 de dezembro de 1998

Morte na rua.

          La muerte en la calle  foi publicado em 1967, um ano depois da morte de José Félix Fuenmayor. Dez anos antes havia saído à luz seu romance Cosme. De sua autoria, também, um livro de relato, Una triste aventura de catorce sabios  e outro de poemas, Musas del trópico.
         Certamente, não se trata de uma obra em livro muito vasta mas, o suficientemente instigante para influenciar os escritores da costa atlântica colombiana, o Grupo de Barranquilla, do qual também fazia parte Gabriel García Márquez.

          Jornalista de vasta atividade, dono de uma grande biblioteca onde abundavam, além dos títulos em espanhol, aqueles em inglês e francês, José Félix Fuenmayor era um dos veteranos do grupo e, com sua prosa simples, precisa e transparente, foi um dos modelos a ser seguido.

          Sete de seus inovadores relatos que fazem parte do livro La muerte en la calle foram  cedidos à Crónica, um semanário esportivo e literário, criado pelo Grupo de Barranquilla em abril de 1950. Teve origem num momento de grande importância do futebol no país e pretendeu, como diz Dasso Saldívar na sua  biografia de Gabriel García Márquez, El viaje a la semilla  (Madrid, Alfaguara, 1997), utilizar o esporte como anzol comercial para fazer e difundir o que realmente lhes interessava: o jornalismo e a literatura. Mas, se o destino de Crónica acabou sendo o da maioria das revistas de sua época – decair e desaparecer – o quê, de fato, aconteceu quatorze meses após, ela deu ensejo a fazer conhecidas algumas obras que somente sairiam em livro muitos anos depois: os melhores contos de Ojos de perro azul  de Gabriel García Márquez  e de La muerte en la calle de José Félix Fenmayor, dentre outros.

           “La muerte en la calle”, que dá título ao volume, é um dos mais belos e sugestivos  da coleção. Num hábil manejo da técnica narrativa, José Félix Fuenmayor aprofunda, em poucas páginas, uma realidade plena de significados. O conto se inicia com uma pequena frase trivial: Hoje um cachorro latiu para mim. E o parágrafo completa a descrição dos movimentos do animal que, no segundo parágrafo, será esquecido porque o narrador passa a se ocupar de si mesmo, admirado de ter se sentado num pequeno muro da calçada, pois já estava a caminho de casa. Conclui que suas pernas não tem mais condições de levá-lo mais adiante.  Pela primeira vez pensa que sua casa é longe, que na verdade, não é uma casa mas uma toca nas aforas da cidade e revela sua condição de mendigo.

             Um mendigo que possui método: tem os seus conhecidos, a quem considera amigos, e não pede esmola ao mesmo todos os dias para deixá-lo descansar. Pede só o que precisa e quando precisa. E só fala se alguém demonstra interesse pelo que tem a dizer: pequenas coisas que lhe dizem respeito porque, sobre outras, pouco sabe. O quê significa que passa o tempo todo calado como se fosse mudo.

               E é num singelo monologar para si mesmo que os pobres fatos de seu cotidiano vão emergindo: como achou onde morar, como resolveu o problema da chuva, como se defende da maldade dos meninos. Logo, sua história de filho da pobreza vai se traçando, entremeada com as ingênuas reflexões que as perdas e os abandonos e a solidão lhe permitem elaborar. Insinuando-se, pouco a pouco, a gradual perda de forças e a sua estranheza em perceber que a rua o vai abandonando, que o muro no qual está sentado se eleva como uma nuvem e o conduz, sozinho, como sempre vivera, e no silêncio, para o espaço dos reencontros daqueles que já deixaram a vida.

                Anônimo ele viveu e, assim, anônimo, na rua, ele morreu. Um homem qualquer que José Félix Fuenmayor surpreende no breve momento que antecede seu fim e cujo perfil, o de um miserável, sem lugar ao sol, ele constrói com a firmeza  de quem, não somente é mestre da palavra mas principalmente aspira a se comprometer com a realidade de sua gente.

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