Diz
José Luis Rouillon que os compilou: são o testemunho do jovem escritor para
encontrar o seu estilo. Contos publicados em jornais e revistas de 1934 e 1935
que, juntamente com artigos sobre seus romances, foram reunidos num livro, Cuentos olvidados que a Ediciones de
Lima publicou em 1973. Nessa data, José María Árguedas, autor de uma importante
obra romanesca que o coloca entre os maiores autores da ficção
hispano-americana já havia morrido há quatro anos. Esses primeiros contos,
publicados alguns anos antes, contém, sem dúvida, o germe do que virá depois: Yawar fiesta ( 1941), Los ríos profundos (1958), El sexto (1961) e Todas las sangres (1964).
Assim
em “El vengativo”, publicado em La
Prensa , Suplemento Dominical de Lima, no dia 9 de dezembro de 1934, já
aparece a paixão de um “principal” que irrompe no meio da serenidade dos índios que estará presente
em Todas las sangres, aparecido
trinta anos depois. É um narrador que cede a palavra a outro. Não identificado,
o primeiro confessa ter estado preso a uma promessa de silêncio que o
atormenta. Decide rompê-la por se sentir demasiado humano para poder guardar,
mais tempo, o segredo alheio e o faz dando a conhecer a carta que lhe foi
escrita por Silvestre. Silvestre se
dirige a ele, chamando-o de irmão e inicia imediatamente o relato: Foi pelas onze e meia da noite. Tinha
chovido e fazia frio. No pequeno povoado, meio escondido pelo nevoeiro, ele
escuta seu nome ser pronunciado e logo o diálogo em que descobre o
relacionamento de Tomascha, um dos interlocutores, com a mulher da qual se
julga dono. Sente a raiva invadir seu corpo mas quer saber, pela boca do índio,
seu subordinado, o acontecido. Tomascha, sério
e quase triste conta da primeira entrega e termina por dizer, convicto: Nem eu, nem a moça, Satanás tem a culpa! Silvestre concorda a meias,
dizendo que ela é o Satanás. Nesse momento, mais parece feri-lo dividir a
mulher com quem trabalha para ele, pois tal situação os iguala. Como iguais,
apertando-se as mãos, se despedem.
Porém
sozinho,Silvestre se vê diante de uma
única realidade: a raiva. E, ao amanhecer, já tem como certo o destino que dará
à mulher. Dela, não pronunciará o nome. Nem quando a espera de tocaia;
tampouco, ao se aproximar com o punhal na mão e ouvir-lhe o último grito. Depois, quando envia o índio para
tirá-la do abismo onde seu corpo caiu, apunhalado. Com um pedaço de terra e dois
novilhos, lhe compra o silêncio. Acredita-se a salvo e aprova, para si mesmo,
os próprios atos e com indiferença, torna as costas para o passado, dizendo: Está bem. E pede a quem dirige a carta
que jure se calar para sempre.
A linha final
do conto, graficamente igual àquela que antecede a carta, é expressão do
narrador primeiro. Confessa aquiescência ao pedido, que o passar dos anos
tornará um ônus pesado, e o deixará de cumprir no momento em que resolve faltar
com a palavra dada e tornar publica a história de Silvestre. Seu drama – o sofrimento
advindo da guarda do segredo – chega ao fim. Desconhecida, permanecerá a
conseqüência provocada pelo seu ato: se irá ocorrer a justiça pedida pela
vítima, ao ser ferida de morte, ou se ficará impune o crime de Silvestre.
Uma
elucidação que se apresenta sem importância diante das estruturas que regem das
relações entre os índios e os “principais”. Tanto Tomascha como Camilo, o índio
a quem Silvestre ordena de encontrar o corpo da mulher que assassinara, não
titubeiam um só instante em lhe obedecer, ainda que em situações gravíssimas.
Um, repetindo, sem discutir, as palavras do patrão, explicando a morte da
mulher; o outro, se dispondo, sem uma réplica, a abandonar o povoado onde
jamais deverá retornar.
O
próprio Silvestre afirma gritar em tom de mando e que os índios o obedecem como
escravos. E cada um de seus atos reafirma a relação, rigidamente hierárquica,
ordenando o mundo em que domina apenas uma verdade.
Descrevendo,
na ficção, o que sua experiência de vida – José María Árguedas viveu entre os
índios quando pequeno, expressando-se, então, somente em quechua – lhe ensinou
e sua condição de antropólogo ratifica, o romancista peruano tem plena
consciência de que estaria se afastando da verdade se contasse uma história em
que a justiça fosse vencedora. E, já nos seus primeiros contos, parece claro,
assim como nos seus romances mais tardios, que não se propõem idealizar a dura
e cruel realidade que ele conhece tão a fundo e à qual se mantém fiel no seu
mundo ficcional. Ele a delineia como esta realidade se apresenta: muito
distante daquilo que somente alguns, no Continente, entendem como o melhor e o
mais justo.
tt

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