domingo, 3 de maio de 1998

O dizer do mestre

           Acaba de morrer no dia 20 deste mês, em Coyoacan, o mexicano Octavio Paz. Detentor dos mais importantes prêmios literários, inclusive o Nobel de 1990, é autor de “Piedra del sol”, considerado um dos poemas chaves da lírica latino-americana atual. Publicou La libertad bajo palabra, Salamandra, Ladera triste, Topoemas, Discos visuales, livros de poemas aos quais se acrescenta uma imensa e profunda obra ensaística o que o torna um autor incomum no Continente.

            E, no Continente, foi uma figura de intelectual de raro e abrangente valor cuja atitude crítica, contida na sua poesia e nos seus ensaios, se alimenta de uma ímpar pluralidade de experiências: escritos aos quatorze anos, viagens, aulas em universidades norte-americanas e européias, criação e direção de revistas, traduções, o levaram a ser um  escritor definido por Carlos Fuentes como peregrino das civilizações. Octavio Paz volta-se para autores da França, Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Japão, Índia, Portugal sem se afastar daqueles latino-americanos e dos conflitos em que se submerge o seu Continente. Como exemplo disso, o ensaio “Conquista e colonia”, publicado em 1971, pela Alianza  Editorial de Madrid em Los signos en rotación y otros ensayos. Nele, busca a explicação para essa espécie de mistério que foi o aniquilamento dos povos primitivos do México pela dominação espanhola.
             
              Analisa os antecedentes – esse Estado teocrático e militar, impregnado de religião que existia antes da chegada dos espanhóis, essa rivalidade pulsando entre os diferentes povos pré-colombianos, essa atração de Montezuma que o leva a receber Hernán Cortéz em vez de repudiá-lo – e  refaz o caminho de dúvida e desamparo em que tombaram os ameríndios, o caminho de contradições que percorriam os espanhóis, presos, ainda, entre o Medievo e o Renascimento. E, chega a uma síntese singular ao afirmar que, seja a partir da perspectiva indígena,  seja a partir da perspectiva espanhola, a Conquista se constituiu a expressão de uma vontade unitária. Daí resulta uma clara apologia dos ditames ibéricos principalmente quando diz que o espanhol não negou um espaço na sociedade ao indígena batizado, o que não ocorreu com os anglo-saxões na América do Norte ainda que reconheça que eles  jamais deixaram de se basear numa ordem imposta: ou social ou econômica ou jurídica ou religiosa. E ninguém ignora quanto a tais ditames  foram os indígenas submetidos e submetidos a ferro e a fogo, levados à destruição. Verdades que o brilhante e belo texto de Octavio Paz, ainda que colmado de argumentos e razões, não consegue fazer esquecer e fazer aceitar como vontade unitária da conquista o que foi, antes de mais nada, injustiça, crueldade e despotismo.

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