domingo, 17 de maio de 1998

Cantar Montevideu

          É um repassar de textos.  Desde os primeiros, quando Montevidéu não passava de um amontoado de casas até aqueles escritos nestes últimos anos: Montevideo, la malbienquerida de Ana Ribeiro que a Academia Nacional do Uruguai publicou em 1997.

          São cento e oitenta e seis páginas nas quais Montevidéu foi narrada, descrita, interpretada, discutida por viajantes, cronistas, escritores, por vozes anônimas ou coletivas.  Há quem note a sua paisagem; há quem note a sua gente; há quem note os seus costumes. E ela vai se desenhando no lento passar do tempo, vai se mostrando, transformada.

          Cidade cobiçada na Colônia, defende-se dos cercos. No século XIX, luta pela independência. Mais tarde, massacrada por outras opressões, nada pode fazer a não ser se submeter.  Depois, reagir, se libertar.

          Sob a rubrica “Ciudad posmoderna”, a cidade da maioria calada quando as palavras são, sobretudo, retalhos, flashes entrecortados, mistura de lembranças e cartas velhas, vozes e figuras de rádio e televisão e muito silêncio fraturando a memória. Porque a Democracia ao cair abatida pelo golpe militar levou os escritores ou a se submeterem à censura e a se auto-censurarem ou a partirem  para o exílio. Então, diz Antonio  Muñoz Molina, Montevidéu se converteu assim numa cidade desejada ou recusada, reconstruída no exílio, povoada primeiro  de ausências e logo de regresso. São os poemas de Mario Benedetti, são os textos de  La canción de nosotros  de Eduardo Galeano.

           Foram doze anos de silêncio até que as vozes  puderam, outra vez, irromper. E, embora, para os escritores, o início de uma reconquista da qual não esteve ausente a melancolia de um reencontro, por vezes, desiludido, Montevidéu foi, outra vez, mensurada, diagnosticada, cantada, resgatada.

           Suas distintas faces se sucedem desenhadas pelas emoções dos que deixaram os testemunhos. Hábil e perspicaz, Ana Ribeiro os colige e seu livro se esmera em tornar possível a trajetória de uma cidade que nesse descobrir-se deixa ver algo que é comum a todas as outras  e, também, a nenhuma.

            Parte do Continente – os textos assim o mostram – Montevidéu é uma cidade que tem a marca do incompleto e do inconfundível.

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