domingo, 10 de maio de 1998

A Inquisição nos trópicos

           Francisco Abiaru, náufrago de uma pirágua, é salvo das  águas do Rio da  Prata por um navio português. Içado por uma corda, agarrado ao Cristo de madeira que esculpira nas Missões é, semi-desfalecido, largado no tombadilho do navio.

          Aí tem início o caminho de seus dias futuros. Por ser índio missioneiro, por ter o seu Cristo os olhos amendoados é preso e, assim, segue para o Rio de Janeiro onde nos cárceres da Inquisição deverá responder por heresia.

          É o que irá contar Luiz Antonio de Assis Brasil no seu Breviário das terras do Brasil: uma aventura nos tempos da Inquisição, publicado pela L& PM de Porto Alegre, no fim do ano passado.
          O drama de Francisco Abiaru na prisão, se entrelaça com o do  Padre Vasco Antonio da Costa, da Rainha Hécuba, do Mestre Domingos, do holandês voador, com o do Vigário Geral. Todos eles se enleando nas tramas que leis ditadas por vontades esdrúxulas instituíam nesse século XVII ainda sob a Jurisdição da Inquisição. Sobre tudo, o medo reina entre eles e cada um a seu modo ou a ele se submete ou busca uma salvação para fugir das ordens que atravessaram o Atlântico para se instalar no Brasil-colônia.

          No romance de Assis Brasil, elas se mostram como que menos cruéis, como que menos severas na convivência com as cores e com as luzes. A figura do índio guarani, os tons exuberantes e os perfumes da natureza tropical diluem os horrores da prisão e dos rituais  que aparecem como se mais do que ditos fossem insinuados.  Os próprios inquisidores se suavizam, as penas se reduzem e ao holandês voador, como ao índio é oferecida a salvação. Eles se lançam  ao espaço numa nave artesanal de fazendas coloridas que se afasta dos seus juízes em graciosas evoluções.

          Nesse dia, que seria o dos castigos, a baía da Guanabara refulgia de águas belíssimas. A vista alcançando a imensidão do mar e a grandeza do céu, dissolvendo-se toda a paisagem numa largueza onde se desconhecem os limites entre a terra, a água e o ar.

          A ficção permitiu o belo e o alentador de uma nave - algo prenhe de loucas esperanças – a voar para o seu destino. Assim finaliza  Breviário das terras do Brasil; uma aventura nos tempos da  Inquisição. Para trás, no silêncio dos Arquivos, ainda por se conhecer, os turvos, os funestos, os sombrios meandros da Inquisição no Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário