domingo, 25 de janeiro de 1998

Respeitosas fronteiras

          Jorge Henrique Adoum é equatoriano e cidadão da América. Poeta que já não faz mais versos porque, no seu dizer, hoje muita gente está poetando. Seu nome, no entanto, se confunde com a poesia deste século no seu país, tanto e tão bem ele versejou. É essa, uma afirmativa de Inés Larro Borges, da Brecha, de Montevidéu, que o entrevistou no dia 5 de dezembro de 1997. Uma entrevista na qual ele se mostra um homem comprometido com o Continente: com o seu passado e com esse futuro, sempre vislumbrado pelos que desejam uma justiça social.
          Depois de muitos livros de versos, em 1995, Jorge Henrique Adoum publica o seu segundo romance, Ciudad sin ángel, que narra uma história de amor entre exilados em Paris e as conseqüências do desaparecimento da personagem feminina ao voltar a seu país, no Cone Sul. Em meio ao lirismo, estão as passagens, extremamente fortes e cruéis, sobre a tortura. Observações da entrevistadora o levam a dizer que teria se sentido feliz se o livro fosse extemporâneo ao abordar um tema antigo e obsoleto. Foi, por isso, acusado de ter os olhos na nuca, de escrever sobre o passado. Mas, continua achando válido documentar esse proceder das ditaduras para que haja uma tomada de consciência que leve à negação, à impossibilidade de que volte a se repetir. E, embora alguns poucos anos tenham se passado e as pessoas julguem importante esquecer – Mario Vargas Llosa disse que seria horrível para a Argentina que se castigassem os militares –, Jorge Henrique Adoum se sente tão latino-americano que não pode se eximir de sofrer pelas iniquidades que aconteceram em qualquer dos espaços do Continente, nesses terríveis anos de exceção.
            E se atribui direitos. De poder escrever sobre o que o magoa – a mancha das mortes e desaparecimentos e perseguições que não poupou a nenhum país do Continente – de lamentar essas fronteiras que lhe separam os espaços, fazendo com que se ignorem mutuamente, condenados, sempre, a um isolamento que só raramente se rompe: quando algo deles interessa à “Metrópole”.
           É que somos respeitosos demais com as fronteiras, ele diz. Palavras que levam à necessidade de lembrar o que isso significa de perdas, desconhecimentos, preconceitos, de opções que fazem ignorar a literatura, a música, a pintura, o cinema e o artesanato dos países vizinhos.
          Porque parece que a luz e a beleza só podem estar no Hemisfério Norte.

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