domingo, 4 de janeiro de 1998

Em defesa de Pasado amor

          Em 1981, a Editorial Alianza de Madrid publicou Pasado amor. Cinqüenta e dois anos se haviam passado dessa primeira edição de 1929 que, segundo Emir Rodríguez Monegal, foi recebida friamente pela crítica da qual somente um nome importante, Martínez Estrada, se mostrou capaz de descobrir-lhe virtudes e, ainda assim, com um elogio mais do que ambíguo. O autor de El desterrado: vida y obra de Horacio Quiroga, diz que esse romance é uma obra por fazer, um dos maiores equívocos de Horacio Quiroga, escrita para dar razão a seus  mais severos críticos.
           Com o respeito que merece Emir Rodríguez Monegal, como crítico e biógrafo de Horacio Quiroga, é possível, no entanto, considerar, primeiramente, que sempre é um mistério a fortuna, o destino – no sentido que lhe dá a Literatura Comparada – de uma obra e, logo, que uma indiferença da crítica ou um fracasso de venda não são razões definitivas para mensurar-lhe o valor ou a importância.
            Além disso, uma aproximação a qualquer obra pode ou deve ser feita, ou ainda, também ser feita, a partir do texto como ele se apresenta e resultar, na sua proposta, válida. Discutível, é partir de suposições sobre o que o autor teria podido ou teria querido fazer.

            Então, é oportuno lembrar as palavras de Susana Soca, quando se refere à Maria Eugenia Vaz Ferreira, a grande poetisa uruguaia: Nunca iremos saber o que desejou dizer, somente sabemos o que disse.

           E o que disse Horacio Quiroga, em Pasado amor, está cheio de achados narrativos. As zonas de sombra, por exemplo, em que o narrador sabe  menos do que o personagem e deixa, igualmente, o leitor na ignorância do que sucede, levando-o a inúmeras suposições. Ou os indícios que, sutilmente inseridos na narrativa, conduzem a situações conflituosas que logo se revelam claras pelo que já fora anunciado.

           Na verdade, uma aproximação a Pasado amor permite perceber que somente alguns traços desenham o espaço, que o tempo, ainda que bem marcado, termina por se perder, que os personagens são como silhuetas apenas entrevistas, que a narrativa hesita entre o dizer e o não dizer. Razões que, sem dúvida, permitem recordar a Emir Rodríguez Monegal quando diz que Pasado amor oferece apenas um esboço e que o livro não é mais do que isso.

           No entanto, também é inegável que, naquilo que o romance tem de difuso, de breve, de fugidio, se encontram esses indícios e essas zonas de sombra e esses jogos de informação no narrar que permitem a Pasado amor se sobrepor a esse destino de sua primeira edição e respectivas críticas. E ser merecedor de estudos mais profundos e livres de preconceitos e das certezas do já dito.

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