domingo, 28 de dezembro de 1997

Memórias

           Convidado para falar aos estudantes da Universidade de Siena, na Itália, pensou que era um escritor ignorado e decidiu se apresentar. Mas, na medida em que falava foi se dando conta que não sabia bem quem era. Passou rápido à leitura de seus textos e dois anos mais tarde, na solidão de seu gabinete de trabalho, iniciou o seu livro de memórias para dizer o que não fora dito naquela tarde na Itália. Los buscadores de oro (México, Alfaguara, 1993) é o resultado.
            O título do livro vem da primeira lembrança que ele guarda: brincar com seus amigos na beira do rio, cavando com as mãos entre as pedras esverdeadas, cobertas de musgo ou removendo, suavemente, a areia entre os restos de ferro velho e pequenos pedaços de árvore carcomido em busca de ouro que o rio trazia.
            E de um buscar o ouro serão feitas as páginas que seguem, perseguindo as lembranças que irão ser traços da vida de quem é um dos grandes nomes da Literatura de seu país, a Guatemala.
            Alguma cor (o malva da fachada da casa, o pálido lilás de seu interior), algum cheiro (o da impressora que seu pai havia instalado em casa), alguma paisagem (arroios, pesadas carretas carregadas de cana de açúcar), alguma cena (os camponeses se movendo lentamente com seu boi e seu arado) e essas experiências marcantes que para ele foram a escola e a escolha da Literatura como seu caminho.

            A escola com as dificuldades de que estão cheias a aritmética, a botânica, a geografia e que ele tinha de vencer ou por orgulho ou por vergonha. Os recreios com seus jogos pelos quais nunca pode se interessar e o único oásis: as aulas de música em que aprendia a cantar e a solfejar.

            No capítulo X, referida a lembrança que retorna a cada insônia: a do menino de nove ou dez anos, sentado, tendo um grosso livro sobre os joelhos e olhando ao longe, além do rio, homens que trabalham a terra. Entre a cena real que pode ver e a imaginária inscrita na estampa do livro que sustenta, está se decidindo o caminho na realidade longo e tortuoso mas não necessariamente dramático pelo qual o menino chegará, chegou já sem que ele mesmo o suspeite a duas coisas que serão fundamentais na sua vida: a Literatura e a tomada de partido pelo fraco diante do poderoso.

            Seus livros La oveja negra y demás fábulas (1969), Movimiento perpétuo (1972), Lo demás es silencio (1978), Viaje al centro de la fábula (1981), La palabra mágica (1983) que lhe deram esse merecido lugar de destaque nas letras hispano-americanas que ocupa. O ter se posicionado sempre a favor dos oprimidos, sendo guatemalteco e consciente da uzeira e vezeira intervenção aberta dos Estados Unidos nas repúblicas bananeiras o fez sempre viver no exílio.

            Nascido em 1921, Augusto Monterroso vive desde 1944 no México.

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