O
texto de Cien años de soledad diz
que José Arcadio Segundo Buendía e outros dirigentes sindicais apareceram num
fim de semana e promoveram manifestações
nos povoados da zona bananeira.
As queixas eram a insalubridade das moradias, o engano dos serviços médicos, a
iniqüidade das condições de trabalho, o pagamento com vale das companhias.
Primeiro,
a polícia cuidou da ordem e, depois, na segunda-feira, prendeu os dirigentes e
as petições dos trabalhadores ficaram sem ter a quem ser entregues pois os
responsáveis se serviram de todos os estratagemas para não serem encontrados. E
assim, fracassadas as tentativas de diálogo, se instalou a grande greve e os
trabalhadores invadiram os povoados, abandonando a colheita da banana e o
carregamento dos trens. Até o dia em que o exército fez saber que fora
incumbido de restabelecer a ordem. Logo chegaram os regimentos, desfilando pelas
ruas e, embora a lei marcial lhes facultasse funções de arbítrio, não foi
realizada nenhuma tentativa de reconciliação.
O
exército realizou as tarefas dos grevistas (e estes lhe sabotavam o trabalho) e
posicionou suas armas ao redor da praça onde três mil pessoas esperavam as
autoridades anunciadas para interceder no conflito.Mas elas não chegaram e um
tenente encarapitado no teto da estação leu o decreto número 4 do Chefe Civil e
Militar que, em três artigos, declarava os grevistas um bando de malfeitores e
facultava ao exército o direito de matá-los.Leitura feita, foi dado, então, um
tempo de cinco minutos para evacuar a praça. Logo, a ordem de fogo.
Devem ter sido uns três mil, disse José Arcadio Segundo
Buendía ao se salvar do trem que levava os cadáveres para serem atirados no mar
e encontrar abrigo numa casa. O quê?
pergunta a mulher que o recebia. Ele esclarece: Os mortos. Devem ser todos os
que estavam na estação. A mulher responde: Aqui não houve mortos. E
assim foi dito em outras casas em que esteve. E assim acreditou seu irmão
porque lera num informe oficial que os operários haviam obedecido à ordem de
evacuar a estação e ido, tranquilamente, para casa.
Foi
a versão que prevaleceu na voz oficial: Em
Macondo não aconteceu nada, não está acontecendo nada e não acontecerá nunca
nada. Este é um povoado feliz.
Agora,
em 1997, acaba de ser publicado García
Márquez, El viaje a la semilla (Alfaguara, Madrid), longa biografia escrita
por Dasso Saldívar, um colombiano de 46 anos. Não apenas relata, detalhadamente,
a vida de seu biografado como a história de sua gente e da Colômbia. Daí o ter
relacionado a vivência de Gabriel García Márquez com a greve da qual, na sua
opinião, um dos aspectos que mais chamou a atenção foi o escamoteio oficial de sua
estatística do horror: o governo reconheceu nove mortos; as testemunhas e
os jornais falaram sempre de centenas e no informe do Cônsul dos Estados
Unidos, conhecido muitos anos depois, consta que foram mais de mil.
Sessenta
e quatro anos depois do sucedido, Gabriel García Márquez confessaria ao jornalista
Gustavo Tatis Guerra: cresci com a idéia
de que os mortos tinham sido muitos, mais de mil. E quando descobri que os
expedientes tinham como estatística o número sete, me perguntei de que massacre
podia falar com sete mortos. Então, transformei os cachos de banana em mortos e
fui enchendo os vagões do trem porque com sete mortos não podia enchê-los.
Disse no romance que os mortos do massacre tinham sido três mil e os lancei no
mar. Isso jamais existiu. Inventei.
Diz
o seu biógrafo: mas foi uma invenção do povo e, como sempre,t o romancista
acertou ao transmutar em verdade de ficção a mentira ou exagero da realidade
pois a publicação de Cien años de
soledad fez emergir a página mais vergonhosa da história colombiana com sua
falsa estatística e desde o ano de 1967 [ano da 1ª edição do romance] a maioria
dos colombianos começou a falar dos três mil mortos das bananeiras do Magdalena
que é a mesma cifra que apregoa sozinho e até a sua morte em Macondo, José
Arcadio Segundo Buendía.
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