domingo, 7 de dezembro de 1997

Lenço branco

          Tómas Buch, professor da área tecnológica, no ano passado, publicou El tecnoscópio um livro que alcançou um inesperado e grande sucesso. Agora, terminou outro cujo título, ainda não definido, poderia ser “filosofia da tecnologia”. É autor de centenas de artigos de temas muito variados (desde a divulgação científica até o direito ambiental) e, também de uns duzentos contos inéditos.“Esperando al tren” é um deles. Essas duas horas de atraso, expressão com que se inicia o relato serão a gênese da trama: o encontro entre o passageiro que deve esperar o trem e para isso escolhe a confeitaria perto da estação e a moça que ali está para servir.

          A narração se faz a partir do que ele observa, do que pensa, do que faz. Primeiro, o vislumbrar através da janela o que imagina. Interrompe seus pensamentos para pedir um café e pensar que nada do que pedisse ali, duraria duas horas, salvo a própria moça. Constata que é atrativa, que poderia ser sua filha e que seria um aborrecimento pretender uma conquista que durasse duas horas. Preferível ler o livro que trazia. Mas, enquanto ela arruma na bandeja o que ele pediu, se distrai imaginando-lhe o corpo e a vida para concluir que não se trata de uma simples empregada de confeitaria mas que ali deve existir um drama. Inventa-lhe um e logo trata de adivinhar o que ela lê em cima do balcão.Sente-se tentado a perguntar porém se dá conta que os tempos não estão para andar perguntando para os outros o que lêem. Para disfarçar vai ao banheiro e ao voltar surpreende a moça olhando para o livro que havia deixado sobre a mesa. Curiosidade mútua, pois, que lhe permite, com fingida alegria, iniciar uma conversa: “você é daqui?”. Para, então, constatar o nervosismo, a desconfiança e o medo de que ela está tomada.

          No clima que era neutro – um homem diante do café e do livro na confeitaria deserta e a empregada com os olhos na leitura – se instala, agora, a tensão. Pelo que pode significar a presença do homem para ela. Passa, mesmo assim, a dizer dessa vida que ele queria saber e sequer havia pensado: da delação feita por um companheiro de luta, da prisão, da tortura do marido, do desaparecimento de muitos, dessa angústia que a faz falar ainda que temendo ser o seu interlocutor um deles.

          Interlocutor que passa a ser o que consola, o que ampara o choro, o que diz para tranquilizá-la: Minha mulher usa um lenço branco na cabeça. Frase que os irá igualar. Porque se ela tem o marido preso e com o corpo marcado pela tortura, na frase dele está implícita uma terrível ausência.

          A maestria do conto está nessa construção em dois tempos: o ritmo lento e anodino que se apressa e se faz tensão, a tênue relação entre os personagens que se adenssa, os perfis transformados: o homem interessado na conquista (todos os homens somos caçadores), levado ao companheirismo protetor; a simples empregada que serve a mesa confessando-se perseguida política.

          O relato despretensioso de um homem à espera de um trem atrasado, passa a falar de um universo maior onde pessoas são oprimidas e mães em busca de justiça vivem em meio a um cancro social. Que no conto o usar o lenço branco denuncia pois, no Continente, não é ignorada a presença das mães na Plaza de Mayo de Buenos Aires em busca dos filhos desaparecidos, vítimas da repressão.

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