A narração se faz a partir do que ele observa, do
que pensa, do que faz. Primeiro, o vislumbrar através da janela o que imagina.
Interrompe seus pensamentos para pedir um café e pensar que nada do que pedisse
ali, duraria duas horas, salvo a própria moça. Constata que é atrativa, que
poderia ser sua filha e que seria um aborrecimento pretender uma conquista que
durasse duas horas. Preferível ler o livro que trazia. Mas, enquanto ela arruma
na bandeja o que ele pediu, se distrai imaginando-lhe o corpo e a vida para concluir
que não se trata de uma simples empregada de confeitaria mas que ali deve
existir um drama. Inventa-lhe um e logo trata de adivinhar o que ela lê em cima
do balcão.Sente-se tentado a perguntar porém se dá conta que os tempos não
estão para andar perguntando para os outros o que lêem. Para disfarçar vai ao banheiro
e ao voltar surpreende a moça olhando para o livro que havia deixado sobre a
mesa. Curiosidade mútua, pois, que lhe permite, com fingida alegria, iniciar
uma conversa: “você é daqui?”. Para, então, constatar o nervosismo, a
desconfiança e o medo de que ela está tomada.
No
clima que era neutro – um homem diante do café e do livro na confeitaria deserta
e a empregada com os olhos na leitura – se instala, agora, a tensão. Pelo que
pode significar a presença do homem para ela. Passa, mesmo assim, a dizer dessa
vida que ele queria saber e sequer havia pensado: da delação feita por um
companheiro de luta, da prisão, da tortura do marido, do desaparecimento de
muitos, dessa angústia que a faz falar ainda que temendo ser o seu interlocutor
um deles.
Interlocutor
que passa a ser o que consola, o que ampara o choro, o que diz para
tranquilizá-la: Minha mulher usa um lenço branco na cabeça. Frase que os irá
igualar. Porque se ela tem o marido preso e com o corpo marcado pela tortura,
na frase dele está implícita uma terrível ausência.
A
maestria do conto está nessa construção em dois tempos: o ritmo lento e anodino
que se apressa e se faz tensão, a tênue relação entre os personagens que se
adenssa, os perfis transformados: o homem interessado na conquista (todos os homens somos caçadores), levado ao companheirismo protetor; a
simples empregada que serve a mesa confessando-se perseguida política.
O
relato despretensioso de um homem à espera de um trem atrasado, passa a falar
de um universo maior onde pessoas são oprimidas e mães em busca de justiça
vivem em meio a um cancro social. Que no conto o usar o lenço branco denuncia
pois, no Continente, não é ignorada a presença das mães na Plaza de Mayo de
Buenos Aires em busca dos filhos desaparecidos, vítimas da repressão.
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