Em
1960, foi publicado Hijo de hombre
de Augusto Roa Bastos. É um romance de nove capítulos que, embora ligados por
um fio condutor, possuem significado próprio o quê faz com que possam ser lidos
independentes dos demais.O oitavo capítulo “Misión” narra a heróica viagem do
cabo Cristóbal Jara, levando água e socorro médico para um batalhão cercado
pelo inimigo.
O
comboio parte lentamente para uma viagem de mais de quinze léguas através do
mato e do deserto. Deve suportar bombardeios do inimigo, os terríveis
obstáculos dos caminhos, a fragilidade dos velhos caminhões, o assalto de
soldados enlouquecidos pela sede. Sobrevêm as perdas humanas pela morte e pela
deserção e os veículos também vão se perdendo. Só o de Cristóbal Jara avança,
mas já à deriva, com as rodas em chamas, bamboleando, movendo-se em zig-zag até
bater numa árvore. Cristóbal Jara com as
mãos feridas, que fizera amarrar no volante é vencido pelas ráfagas de
metralhadoras quase ao chegar ao seu destino.
Em
1995, Augusto Roa Bastos publica, na Colômbia, pela editora Presencia, Contravida, narrativa, em primeira
pessoa, de um fugitivo das prisões oficiais, buscando uma saída na viagem de trem
que o levará para seu povoado natal.Antes de partir, de conseguir se esgueirar
no trem, jazera atirado numas sangas, ferido e sem forças, cuidado por mulheres
que ali o esconderam e trataram. Nas horas lentas que mal passavam foi
recobrando o movimento do corpo e a memória: imagens, fatos difusos, figuras disformes que transcorriam num só dia
feito de inumeráveis dias. Acudiram a
sua mente outras vidas, outras histórias, outras lembranças:
Maria Regalada, filha e neta de coveiros, cuidando dos túmulos no
cemitério; o médico russo; Cristóbal Jara, o chefe guerrilheiro; Salu’i, a
prostituta transformada em enfermeira de guerra. São todos personagens de Hijo de hombre e a eles se iguala o
narrador de Contravida, também
criação de Augusto Roa Bastos. Um personagem que, no entanto, se mostra de
posse de informações sobre Maria Regalada, sobre o médico russo ou sobre o seu
cachorro que não aparecem em Hijo de
hombre. Igualmente, possui outras que contradizem o texto de Augusto Roa
Bastos.Uma delas, que o rumor popular fez de Cristóbal Jara um herói da Guerra
do Chaco, transportando água para a frente de batalha, mas que na verdade,
antes disso, ao se esconder no túmulo recém aberto para o Juiz de Paz, morto na
noite anterior, pelos guerrilheiros na ação Ñumi, acabou sendo enterrado vivo
sob o peso do caixão na hora do enterro; outra, é a afirmação de que os
guerrilheiros, protegidos pelos leprosos na festa do santo patrono do povoado,
foram presos pelas tropas do exército e os doentes fugiram para o leprosário.
Em Hijo de hombre, no capítulo “Fiesta”,
Cristóbal Jara dança na festa em honra do comandante, cercado pelos leprosos e
quando a presença deles é notada, o tumulto que se instala permite que o
guerrilheiro se afaste sem ser molestado. Quanto ao Juiz de Paz, em Hijo de hombre está muito doente e Maria
Regalada é de opinião que Cristóbal Jara, escondido num túmulo do cemitério,
deve sair dali sob pena de ser surpreendido caso o juiz venha a falecer. A
contradição maior, porém, é quando diz ser Sergio Miskovski o nome do médico
russo que em Hijo de hombre se chama
Alexis Dubrovski.
Enganos
ou lapsos que talvez se expliquem por serem essas imagens que lhe povoam a
mente de ferido, frutos de lembranças febris também responsáveis por fictícias
vivências. Afirma, então, ter escrito “Misión”, num possível delírio que o faz
confundir o que, talvez, um dia tivesse desejado ter feito com a realidade
desse texto que o impressionou, quem sabe, a tal ponto de querer dele se
apossar.
Augusto
Roa Bastos não lhe elude o dizer e, nas últimas seqüências do livro, como
narrador onisciente, o leva para seu destino: desaparecer nas chamas de uma
árvore que se incendeia.
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