Seu
nome é Carlota Ferreira e, em 1883, quando tinha trinta e oito anos, foi
pintado o seu retrato pelo grande e famoso pintor uruguaio Juan Manuel Blanes.
Exposto no Museu Nacional de Artes Visuais de Montevidéu é o que dela
permanece. Porque sua história, instigante e contraditória se perdeu no tempo.
Em
Mujeres uruguayas. El retrato femenino
de nuestra historia (Montevideo, Alfaguara, 1997) lhe é dedicado um
capítulo onde se conta de seus quatro casamentos, de suas audazes aventuras,
dos incríveis sucessos que lhe são atribuídos, de como as pegadas de sua exuberância desaparecem na história de Salto, ao não
existirem a memória ou o legado de seus descendentes.
No
artigo de Laura Gandolfo, o primeiro a ser dito é sobre esse retrato que a
imortalizou onde seus braços grossos e
poderosos saem das curtas mangas do ajustado vestido. O ramo de flores repousa
sobre o peito avultado, um conjunto de oito botões de rosa que fazem com que se
destaque o pescoço maciço. O vestido também é cor de rosa e se esmera em
apertar a cintura para desenhar ali linhas côncavas. As mãos levam luvas brancas que se estendem sobre os antebraços e
pulseiras douradas. Os olhos aparecem ensombrecidos pelo cabelo negro e
recolhido na testa, num rosto sereno mas com ar desafiante. A boca é carnuda,
rosada e está levemente entreaberta. A figura sobressai iluminada e nívea sobre
um fundo opaco”.
As
sessões em que pousou para o artista são contadas por Maria Esther de Miguel no
seu romance El general el pintor y la
dama (Buenos Aires, Planeta, 1997),
pela voz do filho do pintor que, espiando pela fresta da porta, no espelho que
a refletia a vê, de pé, sobre um
fundo de damasco levemente esverdeado.
Na contemplação, aprecia os detalhes, o encanto que lhe era impossível precisar
se vinha da mulher que pousava, da habilidade do pintor ou do enigmático sortilégio do espelho.
Certamente
com prazer, descreve, então, o que vê: O
traje de Carlota era de seda branca e bordada, com enfeites de renda também
brancos, mas ao longo da saia o branco se tornava cor de rosa ou talvez lilás
para se harmonizar com o ramo de rosas, de um decidido tom pálido aparecendo no
decote. Uma longa fileira de minúsculos botões acentuava o talhe apertado da
blusa. A saia descia em sugestivo drapeado e logo se perdia num grande laço
também em tom rosa. As mãos da dama e os
antebraços primorosamente enluvados em pálida camurça luziam pulseiras e jóias.
Caiam bem tais complementos porque essas eram mãos de mulher acostumada ao gozo das boas coisas e aos refinamentos
da elegância. Das luvas emergiam na sua opulência carnal, como de uma taça a
flor, os braços da dama, de carnes firmes e decidida tonalidade rósea.
Porém,
mais do que descrever o modelo do pai, Nicanor, o jovem filho do pintor, se
compraz em contar o que sentia por ela: uma atração que o faz vencer a timidez
para procurar lhe falar. Carlota Ferreira o acolhe tão bem que durante três
dias permanecem encerrados em seu quarto de hotel num delírio que os irá levar
ao casamento embora sejam muitos os anos que medeiam entre os dois.
Na
fabulação que o gênero lhe permite, Maria Esther de Miguel narra a vida que
levaram em Buenos Aires até a ruptura, a volta de Nicanor para casa, em
Montevidéu o que levou Carlota Joaquina conseguir a anulação do casamento. Nas
páginas que lhe contam a história em Mujeres uruguayas, sua trajetória se
completa: um caminho de conquistas
amorosas e desregramentos até seu final trágico e decadente.
Sempre
esplêndido, o retrato que lhe fez Juan Maneul Blanes, enfatizando uma beleza de carnes audazmente rosadas, certamente própria dos padrões estéticos
de seu tempo.
Daí
essa paixão também despertada no jovem Nicanor que lhe exalta a beleza e os
sentimentos mas que, virilmente, diante da traição a abandona para se refugiar
entre os seus e depois partir para a Europa onde desaparece. Jamais pode ser
encontrado e as razões que o levaram a se esconder de todos podem ser imaginadas
mas pouco de seus sentimentos ou de seu drama foi descoberto.
Da
mulher que amou e que, talvez, o tenha levado a se perder, ficou o retrato: Carlota Ferreira de pé, com o corpo
perfilado e o rosto de frente como para luzir-lhe as belezas.
Porque
dizia seu pai, o pintor: não se pintam
retratos para que vivam um pouco e nada
mais. São pintados para viver eternamente.

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