domingo, 15 de fevereiro de 1998

Em busca das coisas

          Em fevereiro de 1995, ele terminou de escrever El alma de Gardel e, em agosto do ano seguinte, a editora Trilce de Montevidéu já o havia publicado. Uma breve e curiosa narrativa, marcada, principalmente, pelas zonas de sombra. Ignora-se quem é o narrador, como foi e tem sido sua vida a não ser que, vagamente, pesquisa sobre Carlos Gardel. A sua voz expressa o que sente e o que pensa, se detém em algumas andanças pela cidade, em algumas idiossincrasias  de um personagem que se perde, por vezes, em alucinações. E, o elemento provocador dessa narrativa, são momentos, decididamente indecisos, alimentando o cotidiano do narrador, que, de algum modo, o igualam ao comum dos mortais.
           Furta um guarda-chuva com o mesmo à vontade que o abandona quando a chuva para de cair. Distrai-se a observar as pessoas num ônibus, a fazer uma visita à sobrinha distante e a ir e outra vez ir à Biblioteca.

          Conta detalhes dessas idas e vindas e, sobretudo, do que pensa: asserções sobre a arte de amar, lembranças de amores passados, referências a um novo amor que descobre sentir, sonhos que se mesclam à realidade, descrições de cenas do cotidiano, menção às pessoas que o interpelam para tratar dessa necessidade que tem Carlos Gardel, no dizer delas, de reunir os pedaços da alma, deixados pelos discos para só, então, descansar.

           E’ um narrar de minúcias, por vezes de sonhos, que se entremeiam às reflexões sobre a arte da narração: que as coisas nunca acontecem como são contadas, que é impossível saber o exato sentido de um pensamento em um dia determinado e depois, dele, fazer o relato. E, daí a conclusão de que o destino de tudo no universo, inclusive o universo mesmo, seja o de se converter em Literatura. E, ainda, que todo fato que não é esquecido se transforma em História ou em romance.

            O todo é o resultado de uma experiência de Mario Levrero: expressão de uma voz sem rosto que esboça rápidos momentos de alguém que é algo desconcertante.

            El alma de Gardel é um narrar que entre realidades e mistérios leva a surpreender um personagem que, por vezes, não está nem um pouco longe de seu leitor.

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